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José Carlos Rodrigues Souza

Promotor de Justiça - Promotoria Pública do Estado de São Paulo

Op-AA-13

Sustentabilidade: o dilema do milênio

Na atualidade, por necessidade mercadológica ou por consciência ecológica, é certo que muitos acrescentaram o termo sustentável em suas atividades, especialmente quando se vêem na alça de mira de grupos ecológicos, que atribuem a determinado extrato econômico a pecha de ambientalmente incorretos.

A situação faz-se de efetiva necessidade, quando se tem a pretensão de buscar mercado externo e quando se sabe que muitos países usam, como barreira para ingresso de produtos, a bandeira do ambientalmente correto, situação que creio esteja, no momento, sendo vivenciada pelo setor sucroalcooleiro, encontrando as naturais resistências de países, onde o setor agrícola, altamente subsidiado, não consegue competir no quesito preço, restando o quesito sustentabilidade, como mola de impulsão à rejeição desse ingresso.

Partindo da certeza de que o álcool carburante implica em redução no consumo de combustíveis fósseis e, por conseqüência, na intensidade com que se amplia o efeito estufa, deparamo-nos com afirmações de que “o setor sucroalcooleiro é exemplo de desenvolvimento sustentável, ao combinar contribuição à melhoria do meio ambiente, exploração de vocações econômicas locais e geração descentralizada de emprego e renda”.

Isto merece uma avaliação criteriosa, até mesmo como garantia de que, no exterior, não sejam apontadas falhas, que impeçam o crescimento das exportações. Como representante dos maiores produtores de açúcar e álcool do país, a Unica já se apercebeu da necessidade de agregar aos produtos de seus associados o selo da sustentabilidade, mormente quando se tem anunciado que trabalhadores estão morrendo, pela fadiga do trabalho, que um dos métodos de colheita, por meio de queimada, tem sido rejeitado, a cada dia, por maior parcela da população, e que esses dados já são objeto de discussão em países, onde o setor pretende ampliar ou iniciar a comercialização de combustíveis renováveis.

Com investimentos que ultrapassam a casa de 14 bilhões de dólares, a instalação no território paulista de mais 50 novas usinas, de um total de 150 no Brasil, com o crescimento da cultura da cana-de-açúcar em, pelo menos, 1,2 milhão de hectares, é necessário que o seguimento seja tido como sustentável ou, ao menos, que caminha para sê-lo.

Segundo o Relatório Bruntland, sustentável é “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Este conceito, consubstanciado no relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, apega-se na necessidade de evidenciar os riscos do uso excessivo dos recursos naturais, sem a adoção das medidas de mitigação.

Em termos de agroindústria do setor sucroalcooleiro, quando, ou em quais situações poderemos dizer que há efetiva “exploração do ambiente, de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável”?

Num primeiro momento, devemos nos socorrer da legislação nacional, para afirmar positiva ou negativamente esta indagação, e são reiteradas as normas que tratam da sustentabilidade, como elemento a ser considerado para a implantação de atividades produtivas, sejam urbanas ou rurais. A Lei 10.257/01, em seu artigo 2º, dispõe que a política urbana tem, por objetivo, ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais (VIII), adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana, compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território, sob sua área de influência;

Vê-se, portanto, que a política urbana deve ser norteada pela sustentabilidade dos empreendimentos e que, apesar de ter maior enfoque urbano, as regras impostas visam todo o município, onde se incluem os empreendimentos que, mesmo nas zonas rurais, podem gerar impacto na urbana. Assim sendo, podemos afirmar que teriam os municípios, que estão por receber os 150 novos empreendimentos, atentado para o item sustentabilidade na aprovação destes em seus territórios, ou, como soe acontecer, deixaram ao encargo dos órgãos de licenciamento estaduais, furtando-se de parte de atividade que é sua, por ditame constitucional, diante do interesse local evidente.

Não que os órgãos ambientais do Estado ou mesmo da União sejam negligentes, mas situações específicas de cada município somente são conhecidas por esses, não havendo como o Estado ou a União, com conhecimento genérico, alcançar as necessidades de cada ente municipal, tanto que, no sistema adotado pela Cetesb, órgão de licenciamento do Estado de São Paulo, há a prévia manifestação dos municípios, a respeito do recebimento do empreendimento em seu território.

Contudo, tal manifestação tem sido encarada mais sob o aspecto fiscal, de zoneamento, do que sob o aspecto da sustentabilidade, que deve alcançar a faceta ecológica, com visão focada nas relações do empreendimento, com a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos; a faceta econômica, avaliada a partir da adoção de políticas socialmente justas, fomentando a distribuição de renda e a redução das desigualdades sociais.

As prefeituras passam por fases de euforia, com o anúncio da instalação dos empreendimentos, alcançando o êxtase, quando avaliam os prognósticos de receita, e alcançam o desespero, quando aferem a realidade gerada com a instalação, sem maior controle e cuidado, e a sustentabilidade. E é essa preocupação, de garantir a sustentabilidade, não apenas como qualidade de vida para os cidadãos do país, mas também como necessidade de atender ao reclamo mundial, que tem influído na produção dos normativos que traçam políticas públicas, como na elaboração do plano plurianual de investimentos.

Ainda em 1996, a Lei 9.276, que dispôs sobre o Plano Plurianual para o período de 1996/1999, ao tratar do tema Meio Ambiente, deixou patente que “As ações do Governo, nessa área, compreenderão estratégias de uso racional dos recursos naturais, fundamentadas em novos modelos de gestão ambiental participativa e em processo de planejamento, baseado no ordenamento territorial. Ocorre que, como programa, como plano, não se identifica sua materialização.

E não são apenas as normas internas que estão desenhando essa preocupação, pactos, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no item Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deixa induvidoso, como dispõe o artigo 6º, que “as medidas que os Estados-partes, no presente Pacto, deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças, a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente, maior compreensão de que os direitos ambientais são direitos humanos e como tais merecem idêntica promoção e proteção; afastamento do Estado da defesa de interesses particulares e pela restituição ao Estado do seu papel de promotor e regulador do bem comum; articulação e coordenação entre os três níveis de poder; reaparelhamento dos órgãos de fiscalização e pela combinação de um trabalho preventivo e punitivo; efetiva implementação de Comitês ou Conselhos de Bacias e Sub-Bacias, com a participação de todos os interessados; integração da educação ambiental no sistema educacional; efetivação de mecanismos e instâncias que garantam o mais amplo controle social sobre as decisões e atividades, que afetem potencialmente a população e o meio ambiente”, o que, como norma programática que também é, não encontramos ainda implementação.

A partir dessa formatação, do que seja sustentabilidade, da ausência de percepção de que os programas devem ser implementados e da questão antes posta, de ser o setor sucroalcooleiro, em sua grandiosa expansão, atento aos normativos nacionais e alienígenas, podemos, ou melhor, devemos destacar alguns pontos colhidos na gestão do setor no Estado de São Paulo, afinal, na safra 2006/2007, aproximadamente 3,5 milhões de hectares foram plantados, fornecendo matéria-prima para 150 usinas, distribuídas por 18, das 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, ocupando elevado percentual de cada município e tomando para si substancial quantidade de mão-de-obra, em sua maior parte, migrantes de estados do Nordeste e do Norte de Minas Gerais.

Quanto à questão do migrante, do grande volume de trabalhadores que se deslocam de seus Estados, para os municípios onde estão instalados os novos empreendimentos, o Ministério Público do Trabalho vem desenvolvendo e tomando por termo, ajustes com grandes produtores, para eliminar a figura do intermediário, conhecido como “gato”, que efetiva a exploração da mão-de-obra, sem observância de mecanismos de garantia ao homem de ambiente salubre, não apenas durante o serviço, mas também durante seu repouso, com dignidade em seu transporte e em sua habitação, muitas vezes coletivas, o que implicará em significativa melhoria para muitos, com redução no número de acidentes e, certamente, no de mortes.

Empresas outras, como algumas que podemos encontrar na região de Catanduva, a exemplificar Usina Virgulino de Oliveira, Usina Colombo e Destilaria Ruete, destacam-se na busca da sustentabilidade, ao desenvolverem políticas ambientais, não apenas com a recuperação de suas áreas de preservação permanente, com o plantio de centenas de milhares de espécies arbóreas ou com a adoção de metas ambientais mais ousadas que as exigidas nos normativos e nas licenças expedidas pelos órgãos de Estado, como no controle de emissão de particulados, assim também com a adoção de políticas sociais, de fomento de seus trabalhadores, com distribuição de renda, incentivo à formação, cultura e esporte, e ainda com medidas de incentivo ao uso de equipamentos de proteção individual, para reduzir, senão evitar, a ocorrência de acidentes.

Resta que se lamente que em muitos dos municípios onde estes empreendimentos estão se instalando, ou já residem há décadas, haja ainda completa ignorância dos órgãos municipais, quanto ao que se desenvolve, visto que, se não efetuado de modo a garantir a perenidade da qualidade ambiental, certamente os governos, onde se incluem os municipais, é que terão de destinar recursos para minimizar os impactos.

Muitos municípios já sofrem em decorrência do excesso de trabalhadores que chegam apenas para a safra da cana-de-açúcar, outros tantos já padecem pela redução dos níveis e contaminação de seus lençóis, com a disposição de resíduos líquidos e sólidos no solo, comprometendo, num futuro próximo, a quantidade e a qualidade da água a ser servida, sem dar maior destaque ao já conhecido “carvãozinho”, advindo da colheita com prévia queima, que está por afetar a salubridade urbana e a qualidade do ar dos habitantes, contudo, não temos assistido a uma política efetiva de atuação dos municípios, para que os princípios ambientais e os regramentos internacionais sejam observados.

Há pouco tempo, em uma palestra realizada na Associação de Fornecedores de Cana de Catanduva, o atual Deputado Federal e então Secretário de Recursos Hídricos, Mendes Thame, disse que, no setor sucroalcooleiro, somente os competentes sobreviveriam.

Hoje, passada quase uma década, tomo a liberdade de acrescentar que competência não é apenas produzir mais e com menor custo, mas também com o mínimo de sustentabilidade ambiental e social e, hoje, com maior razão, podemos afirmar que só os competentes sobreviverão, podendo ser concluído que a sustentabilidade, que a princípio foi adotada apenas pelos que tinham especial atenção para com o meio ambiente, hoje deve ser tomada como política pública pelos governantes, e como política econômica aos que estejam no setor produtivo, sob pena de serem encarados como incompetentes e sofrerem as conseqüências dessa qualidade, com o fracasso do empreendimento e com os danos, não apenas empresariais, mas para toda a sociedade. Governos e empreendedores devem, mais do que nunca, colocar a cartilha da sustentabilidade ambiental, econômica e social, como base para suas políticas, porque, certamente, os incompetentes não sobreviverão.