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Silvio Andrietta

Diretor da Andrietta Tecnologias e Bioprocessos

OpAA81

Fermentação alcoólica com reciclo de células
Os processos fermentativos das unidades de produção de bioetanol das destilarias brasileiras, que utilizam cana-de-açúcar como matéria-prima, operam em batelada alimentada ou contínua, não sanitária, com reciclo de células e utilizam uma matéria-prima variável e sujeita à deterioração. Um processo com essas características exige cuidados especiais e uma abordagem única em seu controle operacional.
 
O reaproveitamento das células, após sua separação do vinho fermentado, permite uma operação com alta densidade celular, 
reduzindo o tempo de fermentação e aumentando a produtividade. Esta característica, possível pela ausência de sólidos insolúveis no mosto, traz vantagens e desvantagens. Embora aumente a produtividade, o reciclo de células em processos não sanitários dificulta a manutenção de uma única linhagem de levedura, resultando em dinâmica populacional variável. 

Geralmente, a linhagem dominante é selecionada pelas condições operacionais e pode mudar ao longo da safra. Em unidades com menor estabilidade operacional, a dinâmica populacional será mais intensa, com alternância frequente das linhagens dominantes. Portanto, é praticamente impossível manter uma linhagem de levedura que se adapte satisfatoriamente a todos os processos durante toda a safra.

Linhagens isoladas do próprio processo ou desenvolvidas em laboratório não garantem sua dominância por longos períodos. Desta forma, ganhos de desempenho baseados no uso de linhagens de alta performance são mais difíceis de obter em processos com reciclo de células, comparados a processos de ciclo único, como a fermentação de hidrolisado de milho.
 
O reciclo de células também interfere no nível de contaminação do processo, pois, sendo não sanitário, além das células de levedura contaminantes, células de bactérias também estão presentes no mosto e são recicladas após a separação junto com o vinho contido no creme de levedura. Isso eleva o nível de contaminação nas fermentações com reciclo de células. Assim, o nível de contaminação deve considerar a relação entre a concentração de células de levedura e bactérias, e não apenas a concentração de células de bactérias.

O controle da contaminação nestes processos deve focar em manter as células de levedura saudáveis, pois serão reutilizadas em mais de um ciclo. Considerando uma dorna de fermentação como um ecossistema, espera-se um equilíbrio entre os microrganismos presentes, onde o processo ocorra sem interferência negativa entre eles.

Como a levedura é o microrganismo principal, o equilíbrio é quebrado quando sua vitalidade diminui, pois as bactérias são microrganismos oportunistas. Um processo saudável pode ser obtido melhorando a vitalidade das células de levedura, e não apenas eliminando bactérias, já que sua população aumenta com o enfraquecimento das células de levedura, muitas vezes causado pelo uso excessivo de substâncias antimicrobianas de largo espectro, como oxidantes, utilizados para controlar a população de bactérias.
 
A manutenção da vitalidade das células de levedura em processos com reciclo de células é fundamental para controlar a contaminação e manter o desempenho do processo. Ferramentas como o tratamento ácido do creme de levedura são cruciais para a regeneração das células, pois a adição de água de boa qualidade fornece oxigênio necessário para a síntese de componentes da membrana, como esterol. A acidificação ajusta o pH da fermentação entre 4,0 e 4,5, dificultando o crescimento de bactérias produtoras de ácido, cujo pH ótimo de crescimento é por volta de 5,1. 
 
Como o etanol é um metabólito primário, sua produção está vinculada ao crescimento celular. Em processos com reciclo de células, haverá acúmulo de células sempre que a taxa de morte somada às perdas for menor que a massa de células produzida. As principais perdas de células ocorrem na centrifugação e na lavagem da dorna e podem ser controladas. Desta forma, o excedente de células é função da taxa de morte, que pode variar significativamente com as condições do processo.

Não é possível alterar o rendimento em células na fermentação, a menos que oxigênio seja adicionado ao meio em quantidade suficiente para que a célula possa processar açúcar pela via respiratória com ou sem transbordo metabólico. Nos processos de fermentação com reciclo de células, as perdas de rendimento pela produção de massa celular em aerobiose são praticamente nulas. Assim, um excesso de células na fermentação implica em um processo saudável com baixa taxa de morte, e não em um aumento na massa de células produzida, não havendo perda de rendimento fermentativo.
 
O processo de separação de células do vinho fermentado é crucial para manter a vitalidade das leveduras, pois interfere diretamente na quantidade de substâncias tóxicas recicladas para o tratamento ácido da levedura. Concentrações elevadas de células no creme de levedura são desejáveis, e a floculação das células é um problema, pois cria gradientes de concentração, prejudicando o desempenho das centrífugas. As dornas de fermentação devem ter agitação adequada, e os processos em batelada devem possuir um tanque pulmão bem agitado para alimentar as centrífugas.

Em casos graves, de floculação intensa, recomenda-se a instalação de um sistema de dupla centrifugação, em que o creme de levedura da primeira centrifugação é diluído, acidificado e centrifugado novamente. Isso implica em adição de água ao processo, reduzindo a concentração de etanol no vinho a ser destilado e aumentando o consumo de vapor.

O uso de mosto à base de melaço esgotado contribui para a floculação, pois está associada à proteção das leveduras contra substâncias tóxicas, que ativam genes para síntese de glicoproteínas que formam flocos ao se associar com íons bivalentes e trivalentes de carga positiva. No melaço esgotado, a chance de se ter substâncias nocivas é maior do que no caldo, pois durante a fabricação do açúcar formam-se compostos secundários devido à destruição térmica dos açúcares.

Houve avanços tecnológicos significativos nas instalações de fermentação alcoólica de caldo e melaço de cana-de-açúcar nas últimas décadas. Nos anos 1980, uma destilaria autônoma atingia eficiência industrial média de 78%; atualmente, dependendo da tecnologia aplicada em seus diferentes setores, a eficiência pode superar 86,5%. Nos processos mais modernos de fermentação, a evolução chegou a tal ponto que estão próximos do limite tecnológico, exigindo altos investimentos para pequenos ganhos de desempenho. 
 
A falta de estabilidade operacional é o principal fator que interfere no desempenho desses processos. Esta instabilidade decorre, em parte, da irregularidade no abastecimento de cana-de-açúcar, que não pode ser estocada, e da falta de controle rigoroso na condução do processo fermentativo. A estabilização operacional é a melhor relação custo/benefício para melhorar o desempenho das plantas de fermentação com reciclo de células.