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Antonio José Gonçalves da Cruz

Professor do Dpto de Engenharia Química e Coordenador do Laboratório de Automação de Bioprocessos (LaDABio) – UFSCar

Op-AA-65

Aplicação de redes neurais na engenharia de sistemas e processos
Coautora: Andreza Aparecida Longati, Pesquisadora do LEBp–Unicamp e LaDABio-UFSCar.
 
O setor sucroenergético brasileiro ocupa lugar de destaque na economia brasileira, seja pela produção de produtos sustentáveis e renováveis (açúcar, etanol, energia elétrica, entre outros) ou pelo seu impacto na participação do PIB como gerador de riquezas. De acordo com os dados da Unica, na safra 2019/2020, foram produzidos 35,6 bilhões de litros de etanol e 29,6 milhões de toneladas de açúcar.

A capacidade instalada para a geração de energia elétrica a partir da biomassa da cana é de 11.659 MW, e, no ano passado, foram gerados 36.827 GWh. Nesse contexto, implementar ferramentas de inteligência que proporcionem ganhos no processo industrial, mesmo que em pequenos valores, resultará em incrementos consideráveis, em face dos expressivos números do setor.

Modelos matemáticos baseados em técnicas de inteligência computacional, como a lógica fuzzy e as redes neurais, e o uso de simuladores de processo são ferramentas que vêm sendo desenvolvidas e avaliadas com resultados promissores no Laboratório de Desenvolvimento e Automação de Bioprocessos (LaDABio), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
 
A simulação dinâmica e o controle de processos baseado em computador possuem evidentes oportunidades de serem aplicadas nas usinas: a primeira, por representar uma poderosa ferramenta de diagnóstico e aperfeiçoamento de processos, servindo para apontar modificações em estratégias de controle e para permitir que engenheiros e operadores tenham uma previsão do comportamento da produção, sem a necessidade de intervenção direta na planta; a segunda, por possibilitar a utilização de algoritmos matemáticos mais complexos (redes neurais, matriz dinâmica e lógica fuzzy) na solução de problemas de controle, o que possibilita à indústria trabalhar em condições de operação mais próximas dos limites impostos pelos processos. 
 
A lógica fuzzy propõe um meio de quantificar estados (por exemplo, quente e frio) e a sobreposição entre eles por meio da atribuição de graus de pertinência (0 a 100%) a cada um deles. Funções matemáticas são empregadas para descrever os graus de pertinência. A proposta de um controle fuzzy é modelar suas ações na variável manipulada, tendo como base o conhecimento do especialista.

A forma mais usual de se expressar um conhecimento é utilizando regras do tipo “condição-ação”. Um dos estudos de caso foi a concepção de um modelo dinâmico do processo de cristalização e sua adaptação a um cristalizador industrial (cozedor). O modelo foi utilizado para o desenvolvimento de estratégia de controle baseada na lógica fuzzy e avaliado em tempo real em substituição à parte dos controles existentes no CLP do cristalizador.

A chave para a construção do controlador fuzzy foi baseada na observação do comportamento do brix e do nível da massa, além da vazão de xarope que alimenta o cristalizador. Os resultados mostraram uma redução dos ciclos de operação, da oscilação da variável manipulada (vazão de xarope) e uma diminuição do erro entre a principal variável controlada e seu setpoint (brix da massa).

Outro exemplo avaliado foi o uso da técnica fuzzy no controle da vazão de ar de combustão em uma caldeira industrial. O objetivo foi manter o teor de oxigênio nos produtos de combustão dentro de uma faixa ótima. Utilizou-se uma ferramenta para identificação da dinâmica do processo e sintonia da malha de controle em tempo real.

Após a implantação da nova estratégia no sistema de controle da caldeira e da sintonia do controlador, a malha de controle fuzzy entrou em operação em modo automático. Avaliada por um período de vinte e quatro horas (em operação ininterrupta), os controles regulatório e servo foram capazes de, respectivamente, manter o setpoint desejado, com baixa variabilidade (variação da ordem de 1,2% no coeficiente de excesso de ar) e responder a mudanças de setpoint com velocidade de resposta entre 1,5 e 20 minutos e overshoot na faixa de 8-56%.

Os resultados mostraram a aplicabilidade do controle fuzzy na combustão em caldeiras a bagaço de cana, com variabilidade 40% menor que o controle PID e da ordem de 70% menor que em modo manual. Prever a concentração final de etanol no vinho (oGL) a partir dos valores de variáveis da unidade de fermentação foi a ideia concebida no desenvolvimento de um modelo baseado nas redes neurais. A técnica, inspirada no funcionamento de estruturas neurais biológicas, tem no neurônio o seu elemento processante básico.

A combinação de vários neurônios possibilita a construção de redes neurais com diferentes estruturas (número de camadas, números de neurônios em cada camada, interconexões entre os neurônios, etc.). O “aprendizado” de uma rede neural ocorre por meio de uma etapa de treinamento, onde as informações do processo a ser modelado são selecionadas por especialista para compor a base de informações a ser apresentada à rede.

Nessa etapa, utiliza-se um algoritmo de treinamento. Após essa etapa, a rede adquire excelente capacidade de generalização e predição no domínio utilizado no treinamento. Nesse estudo, a primeira etapa da modelagem consistiu na identificação das principais variáveis que impactam na eficiência da fermentação para utilizá-las como informação de entrada para a rede neural.

Ao final da etapa de treinamento, a rede foi avaliada com novos dados experimentais (informações não utilizadas na etapa de treinamento) e apresentou respostas com desvios relativos menores que 4%, evidenciando sua excelente capacidade de previsão do processo de fermentação industrial.

Em continuidade, empregou-se um algoritmo de otimização estocástico (Particle Swarm Optimization) para estimar elevados teores de concentração de etanol no processo de fermentação, a partir de valores ótimos das variáveis de entrada do modelo. Os resultados mostraram ser possível obter aumento de 1 oGL na concentração de etanol no vinho.

Com esse modelo, é possível realizar estudos econômicos para avaliar como medidas preventivas de controle da contaminação no processo impactam o aumento de sua concentração. A modelagem da fermentação utilizando redes neurais pode trazer, de antemão, a possibilidade de guiar decisões no ambiente industrial, de forma que a operação seja direcionada para o aumento da produção de etanol e, consequentemente, da eficiência da etapa de fermentação na usina.

No âmbito de projeto temático financiado com recursos da Fapesp, pesquisadores do LaDABio desenvolveram e implementaram, em um simulador de processos orientado a equações, modelo de biorrefinaria de cana-de-açúcar para produção de etanol de primeira e segunda geração, além de energia elétrica.

No estudo, diferentes ferramentas para análise de processo foram implementadas. Estudos de integração energética empregando a análise Pinch mostraram ser possível alcançar uma redução de até 12% no consumo de utilidades. Desenvolveu-se ferramenta inédita denominada análise técnica econômica reversa. Trata-se de uma metodologia para avaliação econômica de processos, que fornece indicações para a área de P&D de direções a serem seguidas para que sua implementação industrial seja viável.

A técnica integra ferramentas de engenharia de bioprocessos e sistemas e engenharia econômica e permite identificar as variáveis que mais influenciam a viabilidade de um processo, bem como indicar os valores limites dessas variáveis para que a viabilidade seja alcançada. A técnica foi implementada por Andreza Longati em sua tese de doutorado, na avaliação econômica e ambiental da biorrefinaria de produção de etanol de primeira e segunda geração, incluindo a biodigestão da vinhaça.

A ferramenta permitiu a identificação de gargalos do processo e direcionamento de pontos onde priorizar investimentos e esforços para tornar a tecnologia viável industrialmente. Todas essas ferramentas, desenvolvidas e avaliadas no grupo de pesquisa, têm aplicação imediata no setor sucroenergético.

Frente a um cenário competitivo, a indústria que incrementar sua capacidade analítica, melhorar sua gestão de dados, buscar maior precisão nas tomadas de decisão e na antecipação de problemas e/ou soluções de mitigação e diminuir as flutuações de processo terá mais chances de ser bem-sucedida. Uma maior aproximação entre academia e indústria deve ser estimulada para que o desenvolvimento e a difusão dessas tecnologias possam ser incorporados no setor com maior celeridade.