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Miguel Ivan Lacerda de Oliveira

Diretor do Dpto. de Biocombustíveis da Secretaria de Petróleo e Gás de Ministério de Minas e Energia

Op-AA-58

Gente besta e pau torto é trem que nunca acaba!
De acordo com o dicionário Houaiss, empreendedorismo significa a disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar projetos, serviços, negócios, ou ainda, a iniciativa de implementar novos negócios ou mudanças em empresas já existentes, geralmente com alterações que envolvem inovação e riscos.
 
A palavra-chave aqui é “riscos”. O empreendedor sabe que os riscos são inerentes à sua tentativa de mudar a realidade. Podemos imaginar, por hipótese, uma inovação extremamente bem planejada, coordenada e fundamentada em recursos disponíveis, e, mesmo assim, sua implantação implicará riscos para o gestor ou para o dono do negócio.
 
Além dos riscos, a natureza do verdadeiro empreendedor é também enfrentar as resistências e o ceticismo dos críticos. Posso afirmar com toda a convicção: o mesmo acontece quando se empreende uma política pública transformadora. O RenovaBio é um desses exemplos. Desde a formulação dessa ideia, em seu início, as resistências e o ceticismo em relação à sua viabilidade, por parte dos mais variados agentes, governamentais e não governamentais, foram gigantescos.
 
O RenovaBio, de fato, assustou a muitos por sua complexidade. O desafio era “simples”: construir uma política pública que pudesse realizar a expansão sustentada da oferta de biocombustíveis, valorizando-os na matriz energética, dando previsibilidade no médio e no longo prazo para os investimentos, induzindo a eficiência no processo produtivo e com a maior retenção possível de CO2 por unidade de energia. 
 
O maior problema enfrentado para o desenho dessa política eram as restrições que a situação fiscal do País impunha (e impõe até hoje). Ou seja, o RenovaBio não poderia ser um programa de concessão de subsídios, não poderia aumentar a tributação sobre os combustíveis, não contaria com recursos orçamentários e tampouco poderia conceder créditos presumidos para qualquer etapa da produção ou comercialização de biocombustíveis. 
 
Por conta dessa complexidade, aliada às restrições impostas pela realidade, os críticos e os céticos encontraram terreno fértil. Para eles, seria impossível construir um programa com aquele propósito e com esses entraves que todos conhecemos.
 
No começo, pelo fato de o programa depender de uma lei para sua criação, os críticos apostaram que o RenovaBio não conseguiria apoio suficiente para sua aprovação. Em menos de um ano e com tramitação em tempo recorde nas duas casas legislativas, a Lei 13.576 foi aprovada e sancionada em dezembro de 2017.
 
Depois, os céticos duvidaram de que se conseguiria, em tempo hábil, aprovar um decreto que regulamentasse o programa. Em março deste ano, o Presidente da República assinou o decreto em evento, no qual foi categórico ao destacar a importância daquele ato em seu governo.
 
Continuando com sua cantilena, os críticos também duvidaram de que seria possível aprovar, no Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa no prazo estipulado pelo legislador. Por uma feliz coincidência, após exaustivo trabalho dos integrantes do Comitê RenovaBio, o CNPE aprovou exatamente no Dia Internacional do Meio Ambiente a Resolução que estabeleceu as metas do programa para os próximos dez anos.
 
Quero que o leitor perceba que o “empreendedor”, nesse caso, foram todos aqueles agentes, governamentais e não governamentais, que acreditaram no RenovaBio e que se engajaram ao longo de toda essa trajetória. São todos eles “empreendedores” que tiveram a coragem necessária, mesmo sabendo que, sempre, enfrentariam a resistência.
 
Foi exatamente por conta dessa disposição interior que pudemos trilhar um longo caminho, do qual percebo de que todos se orgulham. E o que já foi feito? Para a melhor compreensão, separei a construção do RenovaBio em quatro grandes áreas:
 
1. Regulação: O RenovaBio precisa de uma regulação de seus instrumentos e processos. Os atos regulatórios que competem à Agência Nacional do Petróleo estão praticamente completados. Falta estabelecer as regras que serão aplicadas para o desdobramento das metas nacionais em metas individuais para os distribuidores.
 
2. Modelo econômico: O RenovaBio precisa de uma ferramenta para estabelecimento das metas e para avaliação dos impactos do programa de acordo com os objetivos que o legislador elegeu como prioritários. O decreto assinado em março instituiu o comitê e a governança do programa para estabelecimento das metas. Dessa forma, o modelo foi concebido como ferramenta de gestão e que evidencia a importância do setor para o mercado de combustíveis. Ficou provado que, se não houver política específica para indução de ganhos de eficiência e para a retenção de carbono na matriz de combustíveis, haverá redução progressiva da oferta de biocombustíveis no País. 
 
3. Análise do ciclo de vida e certificação individual da produção: No início, se pensou que a construção de uma calculadora para avaliação da pegada de carbono dos biocombustíveis seria impossível de ser construída. Com a dedicação da equipe técnica coordenada pela Embrapa, Unicamp, CNPEM/CTBE, Instituto Agroícone, conseguiu-se terminar a calculadora. Falta apenas a aprovação em regulamento pela ANP, mas a parte técnica está concluída. Temos, hoje, uma ferramenta brasileira, construída por pesquisadores brasileiros, considerando as peculiaridades do País, mas todo esse processo sofreu muitas críticas.
 
4. CBIO: Instrumento financeiro que monetiza as externalidades da produção e o uso dos biocombustíveis em relação ao concorrente fóssil. O CBIO representa uma mudança no tratamento do serviço ambiental prestado pelo agronegócio brasileiro para toda a população e também para a indústria dos combustíveis fósseis. É o reconhecimento da importância da produção agrícola na retenção de CO2, e é a partir dessa retenção que será possível compensar os impactos das emissões de combustíveis derivados de petróleo.

É reconhecer a importância do fenômeno de retenção de CO2 realizada pela planta em seu ciclo. A construção do ativo financeiro já está bastante adiantada em sua articulação, com o apoio da CVM, do Bacen, da Ambima, da Febraban, da B3 e do LAB. Uma grande parte da regulamentação já está quase pronta, faltando alguns detalhes.
 
Em resumo, muito do caminho foi trilhado com o apoio incansável de verdadeiros empreendedores que se uniram para construir uma saída. Não há nada de novo em relação ao ceticismo e às críticas que o RenovaBio enfrenta. É a mesma realidade de todo empreendimento ousado enfrenta em seu nascedouro. Quero registrar aqui o meu testemunho e o reconhecimento a todos esses (a quem me acostumei a chamar de “irmãos”) que se juntaram a nós nesse processo!
 
Para encerrar, gostaria de mencionar também os inúmeros comentários de especialistas oriundos de outras áreas do setor energético que, ao conhecerem em detalhes o RenovaBio, manifestam espontaneamente que seu mecanismo também se aplicaria com pequenas adaptações. A eles, queria dizer duas coisas: primeiro, que estamos juntos; e, em segundo lugar, parafraseando o poeta Manoel de Barros, avisar que se preparem, porque “Gente besta e pau torto é trem que nunca acaba!”.