Presidente do Conselho da Bevap BioEnergia e Conselheiro na Usina Santa Adélia, Aroeira Bioenergia e Alesat
A expressão do momento é a transição energética. Mas, afinal, o que realmente se busca com essa transição? Contribuir para o clima é fundamental, mas é preciso ir além, é preciso ter economicidade, considerar a segurança energética do País e se avaliar a dependência tecnológica que será criada pela escolha desse ou daquele caminho. A transição energética tem sido mencionada em todos os discursos oficiais e incluída de forma obrigatória na pauta de todas as empresas,
porém as perguntas que não querem calar são: qual será o caminho a ser seguido? Vamos aderir às iniciativas desenvolvidas mundo afora ou vamos aproveitar as nossas peculiaridades e as nossas vantagens competitivas? Seremos locomotiva ou vagões?
O ano de 2022 foi marcado pelo avanço da energia renovável no Brasil. O País ultrapassou a marca de 92% de participação de usinas hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa no total gerado pelo SIN – Sistema Interligado Nacional, o maior percentual dos últimos 10 anos. O Brasil já tem uma matriz energética diversificada, estamos à frente de quase todos os outros países; as metas de diversificação que os demais países levarão décadas para atingir nós já atingimos hoje. A questão, mais uma vez, não é como faremos a transição, ela já foi feita, mas sim como nos aproveitaremos dela.
Surpreendem-me as discussões que surgem a todo instante quanto às novas iniciativas para energia limpa no Brasil: carros elétricos, hidrogênio verde, ampliação da geração de energia solar, eólicas offshore e por aí vai ... O clamor é constante: precisamos de programas de incentivo! Precisamos de mais pesquisas! As empresas públicas e o governo precisam se engajar e direcionar recursos! Tem momentos em que penso estar na China, ou no Japão, ou na Califórnia, ou na Europa ameaçada pelo gás natural russo... Não me entendam mal, não sou contrário ao desenvolvimento e à implementação dessas tecnologias no Brasil; meu ponto é apenas relativizar a importância e a prioridade que deve ser dada a elas, levando-se em consideração o estágio em que os biocombustíveis se encontram no Brasil.
Estudos indicam que o consumo de biocombustíveis vai quadruplicar até 2050 em todos os cenários avaliados, seja na limitação de aquecimento global ou na velocidade de penetração da eletrificação. Ora, se existe tamanho potencial, se temos a maior vantagem competitiva no mundo quanto à produção de produtos agrícolas, se temos o domínio da tecnologia na produção, se temos a maior infraestrutura instalada na logística e abastecimento de biocombustíveis, por que o etanol aparece de forma tão tímida, e às vezes nem aparece, nas discussões de transição energética no Brasil?
A cana-de-açúcar tem potencial para ser até 10x mais eficaz que as células fotovoltaicas (energia solar) em potencial de descarbonização por hectare de terra no futuro, em países de clima tropical. Existem inúmeros desafios tecnológicos e econômicos para que isso aconteça, porém eles não são maiores que os outros desafios, que as demais tecnologias de geração de energia limpa precisarão enfrentar. A produtividade agrícola da cana pode chegar a 90 t/ha até 2030; com irrigação e melhorias na fertilização, o melhoramento genético e a biotecnologia podem elevar esse patamar para 150 t/ha.
Diversos projetos em andamento prometem aumentar entre 10% a 15% a eficiência no processo de fermentação, aumentando a produção de etanol por tonelada de cana. Pesquisadores recentemente descobriram como aumentar em até 120% a sacarificação do bagaço da cana-de-açúcar ao longo de 12 meses. A descoberta vai reduzir significativamente os custos de produção do E2G. Enfim, as oportunidades de aumento de produtividade em todas as etapas de produção do etanol são infinitas e atingíveis em curto e médio prazo.
Muito se fala dos carros elétricos, que, sem dúvida, já são uma realidade no mundo, porém, numa rápida análise, ainda parecem algo meio sem sentido para o nosso País. A adesão aos carros elétricos ainda não é para todos e isso se deve, em grande parte, ao preço cobrado por esse futuro sustentável.
Atualmente, o carro elétrico mais barato à venda no País pode ser encontrado por R$ 160 mil, enquanto os lançamentos mais recentes passam de R$ 400 mil. O modelo mais caro, da marca Porsche, não sai por menos de R$ 1 milhão. Num país onde a grande maioria de carros são os ditos populares, não me parece, no médio e longo prazo, ser essa uma aposta muito sensata a ser feita. Em outros países, o boom dos carros elétricos foi impulsionado por políticas agressivas dos governos locais, que ofereceram benefícios fiscais aos compradores; algo assim é impensável no Brasil, pelos problemas econômicos e fiscais do País.
É inacreditável que pelo menos sete estados brasileiros já tenham uma legislação que permita abater ou isentar a cobrança de IPVA para veículos elétricos e híbridos, ou que, pasmem, em São Paulo, os elétricos não precisam seguir o rodízio. A quem interessa esses incentivos? Ao meio ambiente certamente não, pois, se assim fosse, iguais iniciativas estariam sendo feitas em benefício ao etanol, igualmente limpo e disponível em larga escala. A propósito, seguindo essa lógica, a venda de gasolina deveria ser proibida nas grandes metrópoles brasileiras.
Os desafios no Brasil para os carros elétricos são imensos: O alto preço dos veículos, devido ao custo das baterias (que só se tornarão mais baratas através de avanços na química, e não sabemos quando e se acontecerão), e a implantação de uma vasta infraestrutura de recarga são alguns deles. Convenhamos, num país onde ainda temos regiões sem energia elétrica, faz sentido investirmos em instalações de recarga para Volvos, Toyotas e Porshes?
Outro queridinho da vez é o hidrogênio verde. Sua demanda vai ganhar força com a aplicação, principalmente em setores de alta intensidade energética. A Europa é o mercado de H2V que mais cresce, principalmente devido à fragilidade demonstrada frente à dependência do gás natural da Rússia. Metas ambiciosas de implantação do H2V também estão em alta nos EUA, reforçadas pelos compromissos do presidente Biden de fornecer incentivos para as energias renováveis.
O Brasil está bem posicionado para se tornar um dos principais agentes do mercado na produção de H2V, liderando indicadores de competitividade vs custo devido a uma matriz energética limpa, uma grande capacidade instalada de energia eólica e solar e uma sólida infraestrutura de portos e ferrovias. Contudo, existem enormes desafios. Para que o mercado de H2V de fato deslanche e ganhe escala, existem pelo menos seis gargalos importantes :
1) a tecnologia disponível atualmente ainda é bastante restrita;
2) o apoio governamental é desigual em todo o mundo;
3) as infraestruturas existentes precisam evoluir;
4) os custos de produção ainda são elevados;
5) as técnicas de transporte e armazenagem são deficientes;
6) a alta perda de energia durante todas as etapas da cadeia de produção e transporte. Enfim, tecnologia promissora que certamente terá lugar de destaque no futuro, porém está longe de ser algo próximo e palpável para a realidade brasileira.
Recentemente, importantes empresas anunciaram a criação de uma joint venture com o objetivo de desenvolver e comercializar uma nova tecnologia de Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês), que usará etanol como matéria-prima. O SAF, que usa matéria-prima não petrolífera, é uma alternativa de baixo carbono ao combustível de aviação tradicional, que oferece até 85% menos emissões de gases de efeito estufa, ou seja, mais um mercado gigantesco que se abre para o etanol.
Somando-se todo o potencial de aumento de produtividade agrícola e industrial com a possibilidade de novas usinas, mais o etanol de 2ª geração, mais a produção de biogás, mais a oportunidade de extração de hidrogênio das moléculas do etanol, mais o etanol de milho, não seria um disparate dizer que o etanol deveria estar na vanguarda da agenda política e ambiental quando falarmos de transição energética no Brasil.
Antes de importarmos aerogeradores e placas solares da China, carros elétricos dos EUA e da Europa, pagarmos royalties pelas tecnologias de produção e armazenagem de H2V, vamos olhar com carinho para o setor sucroenergético, começando pela simples ação de se avaliar antecipadamente os impactos catastróficos que uma mera desoneração tributária de combustíveis fósseis ou uma revisão atabalhoada das metas anuais de CBios podem causar ao setor. Recentemente, o novo presidente da Petrobras disse que a estatal vai investir em transição energética, que, dentro de 10 anos, o mundo não terá nem a mesma logística, nem a mesma relação de consumo com o setor de petróleo e energia, e vinculou ao desenvolvimento tecnológico essa mudança nas fontes de geração de energia. Meu caro amigo Jean Paul, olhe com carinho para o setor sucroenergético, a solução está aqui, ao alcance do País; a grama do vizinho não é, e nunca será, mais verde que a nossa.