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Carlos Ubiratan Garms

Diretor da Cocal - Energia

Op-AA-33

A retomada

Tem sido frequente, nos diversos fóruns de discussão sobre o futuro do setor sucroenergético, uma visão pessimista sobre as perspectivas dessa indústria, amparada na realidade atual do nosso mercado. Essas avaliações, presentes também na mídia e em outras esferas importantes do relacionamento do nosso mercado, levam em conta a fotografia atual e não o filme todo.

Além de não considerar a dinâmica do nosso setor e as forças competitivas que nos abrem inúmeras oportunidades de crescimento, a percepção negativa em nada contribui para a superação da encruzilhada atual. Eis por que temos defendido, em todas as oportunidades, uma agenda positiva para o setor, com argumentos que justifiquem os necessários investimentos para que o Brasil continue a ser a força determinante da indústria de açúcar e etanol no mundo.

Essa convicção não é apenas uma crença. Resulta da análise dos diversos fatores que orientam o nosso mercado, a começar pela demanda firme por nossos produtos. Considera os incrementos advindos do desenvolvimento tecnológico e substanciais investimentos em infraestrutura logística, capazes de criar novos patamares de produtividade.

Contempla a retomada da competitividade dos custos de produção e também a contribuição ambiental da cadeia de produção do etanol, cada vez mais valorizada globalmente, além do enorme potencial de geração de bioeletricidade, hoje dormente no campo. Comecemos pelo mercado, que nos aponta demanda consistente e em crescimento em todo o mundo.

O consumo mundial de açúcar cresce regularmente a uma taxa de 2% ao ano, suportada pela contínua inserção de novos consumidores nos países em desenvolvimento, levando a uma demanda estimada em 205 milhões de toneladas para 2020, dos quais o mercado de livre comércio representará 72 milhões de toneladas, um crescimento acumulado de 22%, ou incremento de demanda de 13 milhões de toneladas.

A avaliação torna-se ainda mais positiva quando projetamos a participação do Brasil nesse mercado. Assumindo que o Brasil manterá seu market share histórico nesse mercado, da ordem de 51%, temos a oportunidade de um mercado adicional a ser atendido no volume de 10 milhões de toneladas até 2020. Nossa capacidade de resposta acima dos demais países produtores deve-se, sobretudo, à competitividade já instalada e à capacidade de expandir a produção, como também comentaremos neste artigo.

Em relação ao etanol, não bastasse o apelo ecológico do biocombustível como fator mitigador das emissões de gases de efeito estufa, reconhecido por todos, temos hoje um mercado interno com demanda muitas vezes superior à capacidade de oferta, em função do crescimento da frota de veículos flex-fuel, que hoje está presente em 15,5 milhões de automóveis, ou 53% da frota em circulação. Em 2020/2021, estimamos que serão 40,7 milhões de veículos flex-fuel, ou 80% da frota nacional de veículos leves.

Se considerarmos o atendimento de apenas metade da demanda potencial de combustível daquela frota, o mercado de etanol no Brasil será de 52,8 bilhões de litros, ou mais de duas vezes e meia o volume atual, de 19,9 bilhões de litros, entre etanol anidro e hidratado.

Um crescimento que não exigirá qualquer esforço ou investimento para o desenvolvimento do mercado, mas apenas a capacidade de oferta, com evidentes ganhos ambientais e econômicos para o País, na comparação direta com o combustível de origem fóssil. Adicionalmente, novas oportunidades se abrem nos mercados internacionais, interessados nas mesmas vantagens já elencadas e também nas diversas aplicações industriais.

Nossa análise considera, também, a capacidade de recuperar a competitividade dos custos de produção.

Sabemos que parte significativa do recente incremento de custos deve-se a fatores de curto prazo, como sucessivos eventos climáticos negativos ao desenvolvimento da produção, o envelhecimento do canavial e consequente capacidade ociosa da indústria instalada.

A progressiva renovação e ampliação do canavial e a ocupação da capacidade de processamento industrial resultarão no retorno ao padrão de custos da nossa atividade, competitivo com os concorrentes mundiais.

Maiores ganhos de competitividade poderão advir dos avanços tecnológicos já em curso, que certamente trarão incrementos na produtividade e reduções nos custos. De acordo com as projeções do CTC - Centro de Tecnologia Canavieira, o desenvolvimento tecnológico da cana-de-açúcar e do processo de produção tem potencial até 2025 de dobrar a produtividade de açúcar, das atuais 10 para 23 toneladas por hectare de área plantada de cana-de-açúcar e mais que triplicar a produtividade de etanol, dos presentes 7 para 24 mil litros por hectare.

As estimativas estão baseadas em estudos e projetos específicos, ora em andamento, em melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar, quer no processo de hibridação tradicional, quer no caminho da modificação genética da planta, nos processos agronômicos de plantio, em avanços advindos da reengenharia da indústria e em novos processos de transformação industrial, em especial o etanol celulósico, também chamado de segunda geração, a partir da palha e bagaço da cana-de-açúcar.

É de se destacar que a cana-de-açúcar ainda não colheu qualquer ganho de produtividade por processo de transgenia, enquanto as culturas concorrentes no mundo, milho e beterraba, já avançaram nesse campo, o que significa que a cana-de-açúcar tem potencial maior de desenvolvimento do que seus competidores.

As alavancas da competitividade não estão apenas no campo ou nas usinas. Os investimentos em curso na infraestrutura logística voltada para o transporte de açúcar e de etanol resultarão na esperada redução de 20% dos custos até 2015, como resultado de investimentos consolidados, em pleno processo de implantação, de US$ 5 bilhões na modernização e na ampliação dos portos, ferrovias e terminais multimodais, além da construção do etanolduto, integrando os polos produtivos do Sudeste e Centro-Oeste aos mercados consumidores e terminais marítimos.

A concretização desses investimentos nos próximos três anos trará reduções em torno de US$ 19 por tonelada de açúcar bruto exportado e de US$ 22 por metro cúbico de etanol destinado ao mercado externo. Para o mercado interno, a redução esperada é de US$ 10 por metro cúbico de etanol.

Os diferenciais competitivos do Brasil tornam-se ainda mais evidentes na comparação das condições naturais para a expansão do cultivo da cana-de-açúcar.

De acordo com o Zoneamento Agroecológico da Cana, realizado pela Embrapa, em 2009, temos disponíveis pelo menos 51 milhões de hectares de alto e médio potenciais para a produção da matéria-prima, adicionalmente à área já cultivada atualmente, que é de aproximadamente 9 milhões de hectares, segundo dados da FAO - Food and Agriculture Organization, muito além da disponibilidade de áreas agriculturáveis nos demais países produtores no mundo.

Em termos da disponibilidade de recursos hídricos renováveis, o Brasil também supera com folga as demais regiões do mundo. São 31,1 milhões de m³/ano por hectare agricultável, quase três vezes a média mundial (11,0 milhões), segundo a mesma fonte anterior.

Também relevante é a comparação da eficiência energética e do rendimento da cana-de-açúcar com a beterraba e o milho. O múltiplo de eficiência da cana é 9,3, o que significa que, para cada unidade de energia aplicada na produção, são geradas 9,3 unidades de energia.

Já o da beterraba é 2,0, e o do milho, 1,4. Outro aspecto é o rendimento do plantio da cana, que proporciona a produção de 7,1 m³/ha, enquanto o da beterraba chega a 5,5 m³/ha, e do milho não passa de 4,0 m³/ha (fontes: CTC  - Centro de Tecnologia Canavieira; USDA - United States Department of Agriculture ; CEFS - Comité Européen de Fabricants de Sucre).

Não menos importante, a externalidade positiva representada pela contribuição do etanol para a redução das emissões de gases de efeito estufa precisa ser avaliada tanto por seu benefício ambiental quanto por seu valor econômico.

A utilização do etanol no Brasil representou uma mitigação de 36 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e), o correspondente a 23% do total de emissões setoriais do transporte e da energia elétrica em 2006. Para 2020, a estimativa é que essa contribuição atinja 133 milhões de tCO2e, ou 46% das emissões setoriais (fonte: Contribuição do etanol para a mudança do clima - Luiz Gylvan Meira Filho e Isaías de Carvalho Macedo).

Esse é um atributo de sustentabilidade que só o etanol tem e com valor econômico considerável: o custo global de mitigação de gases de efeito estufa é de US$ 100 por tCO2e, enquanto 1 m³ de etanol corresponde à mitigação de 2 tCO2e.

A bioeletricidade, gerada a partir da queima do bagaço, é outra contribuição significativa da indústria da cana à matriz energética brasileira e ao meio ambiente. A energia gerada por esse processo nas usinas equivale ao consumo de cinco milhões de residências, ou pouco mais de 10% da população brasileira.

De acordo com a Unica, a cogeração de energia pela indústria da cana poderá atingir 20% da demanda nacional até 2020, volume correspondente ao consumo anual de energia elétrica de um país como a Holanda, ou à produção de três usinas como a de Belo Monte.

Em resumo, temos demanda em crescimento, custos competitivos, grande potencial de inovação tecnológica, recursos naturais disponíveis e a matéria-prima com amplas vantagens comparativas frente a seus rivais e mais benéfica ao meio ambiente para a produção de energia.

As dificuldades fazem parte de qualquer negócio, e as crises são comprovadamente cíclicas, ainda mais no setor agrícola. Por tudo isso, nossa proposta é a de não olhar apenas para a árvore, mas contemplar toda a floresta. Com a força já demonstrada e o potencial que se apresenta, acreditamos que a indústria sucroenergética brasileira tem um futuro promissor.