Em seus primórdios, a agricultura brasileira teve como primeiro e grande ator a cana-de-açúcar, o que remonta ao século XVI, nos tempos das capitanias hereditárias. Passados mais de 500 anos, de ciclos de alta e baixa, pode-se dizer que a cana-de-açúcar é a cultura sobrevivente, que auxiliou no crescimento e desenvolvimento do País, mesmo em momentos de grande dificuldade.
Nos últimos 20 anos, o setor passou por profundas transformações, as quais deixaram marcas profundas, ainda não cicatrizadas por completo: empresas familiares e bem estabelecidas em regiões tradicionais foram parcialmente substituídas por grandes grupos com unidades distribuídas por todo o País. Entre 2003 e 2013, a área cultivada com cana-de-açúcar aumentou de forma significativa, principalmente em regiões com pouca ou nenhuma tradição e em condições mais restritivas à produção. Solos degradados, de baixa fertilidade natural e capacidade de armazenamento de água, em regiões de clima restritivo, com ocorrência de veranicos e altos valores de déficit hídrico acumulado ao longo da safra, foram escolhidos durante essa expansão.
No auge da expansão do setor, na ânsia por crescimento e consolidação, a agronomia e as boas práticas de produção, deram lugar ao crescimento desordenado: era preciso garantir áreas, aproveitar o momento, antes que outro o fizesse. A rusticidade da cana-de-açúcar tornou-se seu maior inimigo, pois foi confundida com a possibilidade de elevada produção em qualquer lugar, independente das limitações locais ou do manejo agronômico adotado. Entretanto, tudo tem seu preço.
O uso de áreas de cerrado degradado trouxe à tona a fragilidade da expansão canavieira no Brasil, pois muitos projetos subestimaram os desafios que viriam a enfrentar. Desafios que foram além das dificuldades ambientais e operacionais, se estendendo a problemas econômicos e restrição de crédito, além de políticas públicas que prejudicaram a consolidação do setor. Não é à toa que esse período marca também o início da redução dos patamares de produtividade e longevidade dos canaviais até então conhecidos: a produção de 12 t/ATR/ha-1 (média do Centro-Sul brasileiro) sofreu forte redução e se estabeleceu em 10 t/ATR/ha-1.
Apesar de tantos desafios (sejam ambientais ou político-econômicos), comuns a todos os envolvidos, ficou evidente a existência de resultados diferentes: houve aqueles que sucumbiram, e os que cresceram mesmo com as adversidades. Mas qual a diferença entre eles? A grande diferença entre os cases de sucesso e os de insucesso pode ser resumida a apenas uma palavra: planejamento.
Empresas ou produtores que se planejaram adequadamente e, tão importante quanto, seguiram seu planejamento são aqueles que sobreviveram e cresceram, mesmo diante de tamanhas dificuldades. O planejamento permitiu que eles estivessem preparados para as dificuldades que viriam e alcançassem o sucesso.
Mas o que é planejamento agronômico e qual a sua importância? O planejamento agronômico está relacionado ao conjunto de técnicas, estratégias e premissas adotadas para alcançar maior produtividade agrícola, reduzir custos e alcançar a sustentabilidade do sistema de produção. O planejamento agronômico requer o domínio de informações críticas ao processo e a melhor forma de reagir a elas. É a arte de conhecer e aprender com o passado, medir o presente e estimar o futuro, de forma a se preparar não apenas para aproveitar as boas oportunidades que possam surgir, mas, principalmente, se defender contra eventos adversos (sejam climáticos ou econômicos).
A estratégia por detrás de um bom planejamento agronômico consiste em responder a questões críticas ao negócio: o quê, onde, como, quanto, quando e por que devo ou não tomar uma ou mais decisões. Tais questões definirão as premissas do empreendimento, ou seja, o alicerce no qual ele será edificado. São as “cláusulas pétreas” do planejamento, as quais deverão ser o mais bem descritas e coerentes com a realidade de cada região, época do ano, características da cultura, entre outras variáveis importantes.
As premissas agrícolas fundamentais estarão relacionadas, principalmente, ao potencial edafoclimático da região, como fertilidade natural, textura e capacidade de armazenamento de água do solo, volume e distribuição mensal das chuvas, déficit hídrico anual e riscos climáticos (como geadas e veranicos). Definidas essas premissas, será possível o dimensionamento mais assertivo dos recursos necessários ao projeto, bem como melhores momentos, locais e recomendações agronômicas necessárias para a execução das práticas de cultivo.
Mas existe uma outra pergunta a ser respondida pelo planejamento e que, infelizmente, é esquecida na maioria das vezes. Até mesmo planejamentos adequados e que obedeçam às condições descritas podem sofrer com eventos inesperados, e, por isso, é sempre oportuno o questionamento: “E se?”. Nesse ponto, o planejamento flerta com o incerto e busca prevenir-se em relação ao futuro incerto. A visão de longo prazo é fundamental para organizar o crescimento e a sustentabilidade do negócio, com ritmo cadenciado de expansão e renovação dos canaviais, de forma a evitar turbulências adicionais ao processo. Empresas bem-organizadas devem saber não apenas onde estão agora ou onde estarão no próximo ano, mas sim daqui a cinco ou dez anos e como pretendem chegar lá.
O resgate do planejamento agronômico: Na ânsia por crescimento rápido e com menores custos, muitos projetos ignoraram a importância de descrever adequadamente os desafios que seriam enfrentados, e as consequências catastróficas são sentidas até hoje.
A lógica perversa do mercado impunha que os desafios ambientais deveriam se moldar ao orçamento e ao cronograma requerido, algo completamente fora da realidade do que é agricultura de qualidade. Em meio à crise ocorrida, muitas unidades atuaram em modo ”sobrevivência”, em que o planejamento se confunde com a operação propriamente dita, limitando-se àquilo que é possível de ser feito em uma visão estritamente de curto prazo.
Após anos de turbulência, o setor parece viver um novo ”grande momento”, de grandes oportunidades, mas também de grandes desafios. Afinal, desafios climáticos (como os de 2021, com seca severa e geadas) sempre existirão, bem como as oscilações político-econômicas do País e do mundo. O grande desafio é, então, retomar por completo o posto outrora ocupado, com organização, alta produtividade e competitividade.
E essa condição só será possível com o resgate do planejamento agronômico adequado, justamente a prática que mais faltou durante a expansão desordenada e a crise subsequente. A percepção dos limites do crescimento rápido e a necessidade de solidez ao desenvolvimento dos canaviais têm gerado alterações no planejamento agronômico, o qual tem recebido autoridade para determinar quando, onde e por que as operações devem ocorrer.
A importância do trabalho de base bem-feito, com uso de corretivos e preparo do solo adequados, com respeito às condições e épocas ideais para o plantio, colheita e tratos culturais, tornou-se a grande obsessão de toda e qualquer empresa, superando até mesmo o investimento em novas tecnologias. Ao que parece, o setor finalmente reconheceu que não há solução de prateleira para a falta de organização e, mais além, que não há retorno mais garantido ao investimento do que o planejamento agronômico de qualidade e com autoridade para executar as atividades de cultivo da cana-de-açúcar.