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Adriano José Pires Rodrigues

Diretor-geral do CBIE - Centro Brasileiro de Infraestrutura

OpAA79

A busca pela sustentabilidade no transporte
A partir da assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997, intensificado com a assinatura do Acordo de Paris em 2015, o mundo tem buscado alternativas mais sustentáveis visando à redução das emissões de gases poluentes. No setor de transportes, a eletrificação entrou na moda e essa tese tem sido, cada vez mais, apontada como uma solução viável e promissora por parte da indústria interessada em vender e desenvolver veículos elétricos. No entanto, é importante reconhecer as alternativas já existentes, consolidadas, viáveis e igualmente propícias no quesito ambiental, como o etanol.

Enquanto os movimentos internacionais pela eletrificação avançam e ganham forma, no mercado doméstico o desenvolvimento se dá em ritmo bem menor. A explicação está em desafios como o preço de aquisição e a falta de infraestrutura adequada.

Os veículos elétricos são mais caros e, dada a pouca popularidade, não contam com a diversidade de modelos verificada naqueles a combustão. A alteração do perfil de consumo da matriz de combustíveis nacional com vistas à descarbonização deve considerar as vantagens comparativas do país, um dos maiores produtores mundiais de biocombustíveis.

Um estudo recente da Stellantis, um conglomerado automobilístico controlador de marcas, como Fiat, Jeep, Citroën, Peugeot e outras, demonstrou que, em termos de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), a descarbonização através do etanol no Brasil é mais limpa do que a eletrificação da frota europeia. 

“Do poço à roda” um veículo abastecido com etanol no Brasil emite 25,79 kg de CO2 após percorrer 240,49 km, enquanto um 100% elétrico baseado na Europa despeja 30,41 kg. Nesse sentido, a Stellantis já anunciou que lançará três híbridos nacionais entre etanol e eletricidade, assim como um motor exclusivamente a etanol, a partir de 2024. 

O trabalho da Stellantis evidencia a importância de se olhar para além do combustível final utilizado no transporte, considerando também sua origem. O volume de emissões associados a um determinado consumo de energia elétrica é diretamente dependente da matriz elétrica do país onde o veículo será utilizado, podendo ser mais ou menos poluente a depender da principal fonte utilizada na geração. 

Em regiões como a Europa e a Ásia, onde a energia elétrica ainda é predominantemente produzida por fontes fósseis, como o carvão, o uso de veículos elétricos ainda fica dependente da queima de fósseis, ainda que esse processo ocorra em outra etapa da cadeia. 

Outra questão a se considerar, na comparação entre as duas alternativas, é a necessidade de adaptação da infraestrutura existente. Os veículos a combustão, que dominam a indústria de transporte há cerca de 150 anos, hoje, podem ser abastecidos de forma rápida e simples em qualquer posto, ou seja, a logística existente é perfeita.

Em uma eventual transição por meio de biocombustíveis, a infraestrutura de abastecimento existente pode ser utilizada em conjunto, sem sequer necessitar de adaptações significativas. Os modelos elétricos, por sua vez, além de demandarem períodos de carregamentos consideravelmente mais longos, dependem de uma infraestrutura de abastecimento que ainda não existe, sendo necessários investimentos expressivos para que se crie uma estrutura de rede funcional. 

O valor estratégico dos biocombustíveis fica em evidência quando se fala de economias agroexportadoras, em que culturas de alto potencial energético, como a da cana-de-açúcar ou do milho, são prevalecentes. Em nações como o Brasil, Estados Unidos e Índia, o etanol tem se destacado como uma das melhores alternativas no setor de transporte em termos de redução de emissões de GEE e independência energética. 

Vale notar que existem críticas antigas a correlação entre a produção de biocombustíveis e a saúde da agricultura nacional. É inegável a relação intrínseca dos dois segmentos, contudo, a inovação tecnológica tem distanciado gradualmente a competitividade desses setores por área cultivável. Os biocombustíveis de “segunda geração”, como o diesel verde e o etanol 2G, são produzidos por meio de métodos alternativos que reutilizam substratos de diversas atividades econômicas com maior versatilidade e eficiência. O etanol 2G possui a mesma composição química e usos que o etanol de primeira geração, mas a tecnologia implantada na sua produção possibilita aumentar sua produtividade em até 50%, sem aumentar o tamanho da área plantada. 

No Brasil, o etanol tem um papel de vanguarda como alternativa aos combustíveis fósseis. O primeiro automóvel movido a etanol do país foi lançado no fim dos anos 1970. Hoje, segundo informações do Ministério de Minas e Energia (MME), cerca de 80% da frota de veículos leves brasileira é composta por modelos flex fuel.

Em cerca de quatro décadas, o uso do etanol proporcionou uma economia de mais de 2,5 bilhões de barris equivalentes de petróleo, equivalendo a mais de dois anos da produção atual de petróleo no país. Calculado nos preços atuais, esse volume representa uma economia de mais de 200 bilhões de dólares e a redução de mais de 1,5 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. 

Com décadas de experiências bem-sucedidas, países como Brasil, EUA e Índia têm demonstrado que o etanol não é apenas uma alternativa sustentável eficiente, mas também uma maneira eficaz de impulsionar a economia. Segundo nota conceitual do Sustainable Mobility: Ethanol Talks, hoje, cerca de 70 países ao redor do mundo possuem leis estabelecendo um percentual obrigatório de mistura do etanol com a gasolina, ressaltando o potencial do biocombustível na promoção da mobilidade sustentável. Mesmo com o rápido crescimento no número de vendas de carros elétricos ao redor do mundo, o mercado tem se comportado de forma mais cética. Até mesmo em cidades com infraestruturas mais desenvolvidas, como as da Europa e dos EUA, o uso de um carro 100% elétrico ainda pode ter contratempos. 

Diante da força da eletrificação como alternativa de transição, a melhor alternativa para o Brasil é a aposta nos modelos híbridos — movidos a etanol e a eletricidade. Apesar de ser um combustível de baixo carbono, o etanol também tem emissões de CO? e outros gases poluentes associados à sua produção, desde o cultivo até a utilização final. Essa realidade segue um padrão no Brasil, onde a maioria das emissões de carbono são oriundas das mudanças do uso da terra pela atividade agrícola. Por isso, o avanço dos modelos híbridos representa uma chance para a redução da pegada de carbono e estímulo aos dois segmentos. 

A transição energética, como o próprio nome sugere, é um período em que as estratégias devem ser combinadas para a redução das emissões e não concentradas na eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Nesse contexto, a adoção do etanol como parte integrante da estratégia de transporte sustentável, certamente, desempenhará um papel fundamental na construção de um futuro mais verde e resiliente. Com políticas públicas efetivas e um arcabouço regulatório consolidado, o Brasil pode alcançar a vanguarda e as oportunidades da economia de baixo carbono.