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Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência

OpAA75

Perspectivas do mercado de etanol
Neste ano, estamos completando 50 anos do primeiro choque do petróleo. O mundo era diferente de hoje, e o poder do cartel da Opep era muito maior. O choque foi imenso e abalou a economia mundial, e o Brasil, à época com sua estrutura primária de produção, carente de divisas, em meio a uma década de altos investimentos governamentais, tornou-se  extremamente vulnerável.

O resultado não poderia ser pior. Importávamos boa parte do petróleo que refinávamos, e a gasolina era o único combustível para os veículos no País. Sem muitas alternativas, reagimos e, em 1976, criou-se o Proálcool. Um programa destinado a fomentar a criação de destilarias anexas às usinas de açúcar existentes, para produzir etanol combustível e reduzir a nossa dependência do petróleo importado.
 
O programa decolou e, no princípio, produzíamos apenas o etanol anidro destinado à  mistura com a  gasolina, contribuindo para reduzir a dependência externa de combustíveis.

Quando, em 1979, vivenciamos o segundo choque do petróleo, mais uma vez a economia mundial ficou refém da poderosa Opep. A reação do Brasil foi ainda mais criativa em comparação ao primeiro choque. Esse novo entrave ao nosso crescimento nos obrigou a desenvolver algo ainda mais inovador em termos de substituição de combustível, e, assim, criamos o carro “a álcool”. Movido por um motor a combustão que podia rodar exclusivamente com etanol hidratado. 

Em menos de um ano, em 1980, lançamos o primeiro veículo comercial movido com o combustível vegetal. Passaram-se apenas oito anos, e mais de 80% dos veículos novos vendidos eram movidos a álcool. A frota mudou rapidamente, e os problemas apareceram. No final dos anos 1980, com o desabastecimento do produto nos postos de combustível, a venda dos veículos novos, movidos a álcool, foi reduzida a praticamente zero, e o etanol hidratado perdeu rapidamente a  preferência dos consumidores.

Essa década provocou uma revolução silenciosa, que alavancou o setor sucroalcooleiro de forma consistente, porém o modelo de negócios tinha uma enorme dependência estatal:  em normas, cotas de produção e vendas e, principalmente, preços. 

Afetada pela redução da demanda do etanol hidratado, a indústria enfrentou uma enorme capacidade ociosa, não possuindo outra alternativa a não ser optar pela produção de açúcar destinado à exportação. Encontramos um espaço para a nossa produção, e, junto, vieram os investimentos em infraestrutura de ferrovias, terminais e armazéns, necessários à  movimentação do açúcar a ser exportado, e  o etanol hidratado ficou abandonado à sua própria sorte, como um produto secundário, uma vez que os consumidores voltaram a comprar veículos movidos a gasolina. 
 
No final dos anos 1990, a indústria sucroalcooleira viu o seu colapso com os baixos preços do açúcar que não remuneravam as usinas, e não havia mercado de etanol para absorver os excedentes de açúcar de que o mundo não precisava mais. O etanol hidratado, por sua vez, embarcou em uma decadência ainda maior. Os baixos preços começaram a atrair proprietários de veículos a gasolina a abastecerem com uma mistura de etanol e gasolina, conhecida popularmente como “rabo de galo”.
 
A demanda de etanol hidratado começa a reagir, impulsionada pela vantagem econômica da mistura, até que, em 2003, a Volkswagen oficializa o “rabo de galo” com o lançamento do primeiro veículo flex fuel do País. O sucesso foi enorme, e em pouco tempo atingimos a marca de mais de 80% dos veículos novos no modelo flex. As montadoras que não possuíam essa opção simplesmente não vendiam.
 
A ideia de decidir pelo combustível no posto de abastecimento e não na concessionária caiu na graça dos brasileiros, tornando-se um exemplo para o mundo. Hoje, aproximadamente 80% da frota de comerciais leves que circula no País é flex, nos proporcionando uma demanda potencial muito significativa.

Todo o arcabouço fiscal, níveis de mistura de etanol anidro a gasolina necessários à competividade do etanol hidratado, foi resultado de grande trabalho e esforço de muitos do setor, que culminou com a aprovação da Emenda Constitucional nº 123, assegurando, por 20 anos, a competividade do etanol perante a gasolina, associado à consolidação do programa RenovaBio.

O vilão dos anos 1970, é, hoje, uma importante peça no equilíbrio do mercado de combustíveis, sendo a gasolina um de seus derivados e, particularmente, no Brasil, produzida por um modelo estatal, com uma política de preços nem sempre transparente e sujeita a influências políticas, como vimos recentemente, que provocaram um desequilíbrio entre os combustíveis fosseis e os renováveis.

É imprescindível blindar os pilares que sustentam essa competitividade, de forma a cumprirmos as metas claramente descritas no programa RenovaBio e atingirmos os compromissos de reduções de emissões firmados pelo País, no acordo de Paris. Os desafios são imensos, e, como se não bastassem todos os entraves políticos e outros interesses, os fatores climáticos e financeiros dos últimos anos retardaram a recuperação do crescimento da oferta de matéria-prima.
 
O cenário é, ao mesmo tempo, fascinante e desafiador. Sendo o Brasil um importante ator do mercado mundial de açúcar, o crescimento da demanda mundial nos próximos anos exigirá uma oferta maior de produto. Compartilhando da mesma matéria-prima para a produção de etanol, a arbitragem de preços entre eles, para os próximos anos, será muito acirrada.

Cabe ao setor buscar o equilíbrio para que possamos atender aos dois mercados de forma consistente e segura, alimentando o crescimento sustentável de toda a cadeia sucroalcooleira, em busca de aumento da produtividade e de inovações. Temos uma forte  concorrência com os grãos, igualmente importantes impulsionadores do crescimento do agronegócio, que concorrem com as mesmas infraestruturas de transporte, armazéns e terminais.
 
Os cenários de preços de petróleo ainda estão difusos, em decorrência das turbulências mundiais recentes, que afetaram a economia mundial de forma jamais vista. A redução gradual da inflação e, por consequência, dos juros, deve trazer um crescimento à economia mundial e um reposicionamento dos preços do petróleo.
 
Diferente de décadas anteriores, agora temos um direcionador muito forte, que é a inevitável ameaça da mudança climática, a qual não será resolvida queimando indiscriminadamente combustíveis fósseis, por mais atrativos e acessíveis que possam parecer. O relógio da humanidade não pode esperar, e os biocombustíveis são a transição imediata disponível para mitigar os danos já causados. Qualquer atraso na adoção de uma política consistente poderá ser irreversível.

Os biocombustíveis são uma realidade, e o Brasil está muito bem-posicionado. Tal condição favorece a atração de grandes investimentos, pois temos as condições climáticas, geográficas, humanas, técnicas e competência para assumirmos esse papel de protagonista no cenário mundial.

Essa história que começou por um fator externo há cinquenta anos, agora está consolidada, e nem por isso está imune a ataques destinados a desestabilizá-la. Com a resistência de todos os agentes, enxergamos forte potencial desse relevante setor para escrever um novo capítulo nos próximos anos.