A busca por fontes de energia renováveis e sustentáveis tem sido uma prioridade global, impulsionada pela necessidade de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. No contexto da indústria sucroenergética, o biometano emerge como uma alternativa promissora que, no entanto, necessita de uma política pública estruturante e uma regulamentação eficaz, garantindo o reconhecimento de seus atributos e a necessidade de descarbonização dos setores chaves do país, como indústria, agricultura e transporte.
O biometano oferece várias vantagens, sendo uma fonte de energia renovável produzida nacionalmente e com preços vinculados à moeda local. Sua tecnologia é madura para aumentar a produção em busca do seu potencial econômico, que atualmente alcança 120 MM³/dia, quase o dobro do consumo nacional de gás natural em 2023. Especificamente no setor sucroenergético, o país possui o potencial de produzir 57,6 MM³/dia, tornando-se o setor com maior potencial de produção de biometano a partir da palha, bagaço, torta de filtro e vinhaça.
Apesar de seu potencial ambiental e econômico, o mercado de biometano ainda enfrenta desafios significativos na regulação, na infraestrutura e no reconhecimento de seu atributo ambiental.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) regulamenta o uso do biometano no Brasil desde 2015, reconhecendo-o como combustível intercambiável e equivalente ao gás natural. Tal postura foi ratificada pela Lei nº 14.134/2021, a chamada Nova Lei do Gás. Assim reconhecido, o biometano pode utilizar a mesma infraestrutura de movimentação de gás natural, as mesmas turbinas de geração elétrica e abastecer os mesmos veículos a GNV e GNL.
As especificações para o biometano proveniente de produtos e resíduos orgânicos agrossilvopastoris e comerciais, destinado tanto ao uso veicular quanto às instalações residenciais e comerciais em todo o território nacional, foram reguladas ainda em 2015 e constam hoje na Resolução ANP nº 906, de 18 de novembro de 2022.
Ao estabelecer especificações claras e rigorosas, assim como procedimentos para a aprovação do controle de qualidade, essas medidas asseguram a confiabilidade e a segurança do biometano produzido a partir de diferentes fontes.
Além das resoluções específicas da ANP, o avanço na regulamentação e promoção do biometano no Brasil também é impulsionado por leis e decretos de âmbito federal. Destaca-se a Lei n.º 13.576/2017, que institui a Política Nacional de Biocombustíveis, conhecida como RenovaBio. Essa legislação estabelece metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para o setor de combustíveis, incentivando a produção e o uso de biocombustíveis, incluindo o biometano, por meio de Créditos de Descarbonização (CBIOs).
A nível estadual, os estados que têm legislações de biometano ou que o biometano é mencionado em suas regulamentações que tratam da injeção do gás na rede de distribuição estadual são Amazonas (Resolução nº 003/2022-Cercon/Arsepam), Amapá (Lei nº 2.656/2022), Ceará (Resolução Arce nº 16/2022), Espírito Santo (Resolução ARSP nº 65/2023), Goiás (Lei nº 20.710/2020), Mato Grosso do Sul (Portaria Agems nº 256, de 07 de dezembro de 2023), Minas Gerais (Resolução nº 34/2023), Paraná (Lei Nº 205/2017 e Lei nº 19.500/2018), Pernambuco (Lei nº 17.641/2022), Rio de Janeiro (Lei nº 6.361/2012), Rio Grande do Norte (Lei nº 11.190/2022), Rio Grande do Sul (Lei nº 15.648/2021), São Paulo (Deliberação Arsesp Nº 1.342/2022).
Todavia, todas essas legislações trazem apenas questões pontuais sobre a regulação do biometano, que até hoje carece de uma política pública estruturante. Nesse sentido, é importantíssima a proposta constante do relatório apresentado pelo Deputado Arnaldo Jardim, relator do Projeto de Lei do Combustível do Futuro, atualmente, em trâmite no Congresso Nacional.
Ele endereça duas questões essenciais ao mercado de biometano: a necessidade de separação do atributo ambiental do seu atributo energético e o incentivo à oferta e demanda, para o setor sair de seu atual impasse no qual produtores, investidores em infraestrutura e consumidores têm interesse no biometano, mas não se articulam o suficiente para o alcance de todo o seu potencial de produção.Por um lado, cria o Certificado de Garantia de Origem de Biometano – CGOB, que pode ser comercializado junto ou separado da molécula de metano, endereçando o custo do atributo ambiental àquele que adquirir o certificado. Por outro lado, cria uma demanda obrigatória para o biometano, que deve ser adquirido pelos produtores e importadores de gás natural.
Esse estímulo ao biometano é o que o mercado de gás natural necessita para alcançar sua finalidade de se tornar um mercado líquido e eficaz. Atualmente, a oferta de gás natural ainda é dominada por apenas um agente e a inclusão dos grandes volumes que podem ser produzidos por diversos agentes do setor de biometano trará preços competitivos para o setor.
Além disso, atualmente estudam-se, no âmbito federal, políticas para estimular a neoindustrialização verde, a redução das emissões do setor de transporte pesado e a produção nacional de fertilizantes. É imprescindível que todas essas políticas, ao trazer estímulos para o setor, também contemplem o biogás e o biometano como fonte de energia e matéria-prima.
No que toca à regulação estadual, é importante a criação de um Contrato de Fornecimento Verde, no qual a distribuidora oferece ao mercado cativo a opção de adquirir o biometano, com o valor de seu atributo ambiental embutido, em percentual de sua escolha. Outros temas importantes são a criação de mecanismos para contratos de longo prazo de aquisição de biometano, a viabilização de swap operacional e comercial entre os agentes do setor, a flexibilidade no Ciclo Tarifário para incentivo aos investimentos em biometano e o incentivo ao mercado livre de gás e a padronização e a clareza nas normas que regulamentam a injeção na malha de gasodutos de distribuição.
Hoje, o Brasil aproveita apenas 2% de todo o seu potencial, visto que o país conta com 20 plantas de biometano, sendo 6 plantas autorizadas pela ANP e 14 plantas de autoprodução, com uma capacidade instalada de 985 mil m³/dia. Para alcançar todo o seu potencial, é necessária a criação de uma política pública estruturante e uma regulamentação eficaz do mercado, que trarão diversos benefícios para o setor sucroalcooleiro, para o país e toda a sua população. Sem isso, continuaremos a viver como o país do futuro, que não aproveita todas as oportunidades e riquezas de nosso território.