Os grandes avanços nas ciências agrárias, embora, no passado, tenham sido mais adaptativos do que próprios, agora se avolumam e definem tecnologias particulares do “agro”, iniciando uma nova fase da agricultura, caracterizando a quarta Revolução Agrícola. Focando na fitossanidade, nessa Revolução, surgem tecnologias sofisticadas usando seres vivos e seus produtos para o controle de pragas, doenças e plantas daninhas e para o preparo do solo para as diversas culturas.
Hoje, esses seres vivos (microbiológicos: fungos, bactérias, vírus e nematoides – e macrobiológicos: vespas, moscas e ácaros) usados de forma ampla na agricultura são chamados de bioinsumos, que também agregam os óleos vegetais, os extratos de plantas e de algas e substâncias atraentes e repelentes de artrópodes-praga. Dentre os bioinsumos, tem-se hoje os modernos biodefensivos, como bioinseticidas, biofungicidas e bionematicidas.
Essa realidade é tão expressiva que o crescimento nesse setor, no Brasil, ultrapassa 50% ao ano, em contrapartida aos 10-15% de crescimento no mundo. Começamos com sete bioinsumos registrados no País, há uma década, e hoje esse número é superior a 500. É um caminho sem volta e com limites ainda desconhecidos.
O uso predominante de bioinsumos para o manejo do solo e de pragas e doenças caracteriza uma nova estratégia chamada de manejo biológico. São poucas as culturas onde o manejo biológico pode ser plenamente praticado, mas a cana-de-açúcar é uma delas, pois a maioria das pragas e doenças tem tecnologia de uso de bioinsumos bem desenvolvida, assim como o manejo do solo.
O solo dos canaviais tem recebido a aplicação de diversos fungos e bactérias com funções bem definidas. Mas também se faz uso de misturas de microrganismos (probióticos), na maioria das vezes desconhecidos, incluindo ou não substâncias nutritivas para eles (prebióticos, ricos em carbono), que povoam o solo e melhoram suas características físicas e químicas.
Bioinsumos à base do fungo Trichoderma harzianum ou das bactérias do gênero Bacillus são comumente aplicados para o controle de nematoides-praga (pequenos vermes que atacam as raízes) e de patógenos que causam doenças nas plantas. Para essas funções, há controle direto ou indireto, onde a imunidade da planta é aumentada, e a produção de raízes superficiais e profundas é estimulada, o que leva também a uma melhor resistência das plantas às pragas e à seca.
Na década de 2020, os bionematicidas superaram, em área aplicada, os nematicidas químicos sintéticos no Brasil, pois eles têm mostrado melhor eficácia, maior período de ação e efeitos positivos adicionais, sem impactos para o homem, os animais e ambiente e com muitas funções secundárias agregadas.
Mas esses microrganismos começam a ser explorados para substituírem os fertilizantes químicos, com performance superior a eles. O fungo e as bactérias mencionados disponibilizam fósforo, potássio, zinco, ferro e manganês, mas a bactéria Azospirillum brasilense tem sido usada para a disponibilização de nitrogênio para as plantas, chegando, hoje, a substituir quase integralmente o fertilizante químico, que é perdido principalmente por lixiviação, poluindo, muitas vezes, nossos lençóis freáticos.
A próxima função de alguns desses microrganismos, como Trichoderma harzianum, será para a retirada de gás carbônico da atmosfera, pois esse fungo consegue transformá-lo em carbono de solo. Isso criará um novo valor para os bioinsumos, podendo acumular créditos de carbono num futuro próximo.
Os fungos Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae têm sido usados mais frequentemente contra a maioria das pragas de solo, que predominam em canaviais. Desde a década de 2010, Metarhizium anisopliae tem sido misturado às caldas de inseticidas químicos (que são reduzidos em 10% da dose) para melhorar a performance e o período de ação deste último no controle das cigarrinhas, Mahanarva spp., e por proporcionar o controle de outras pragas, como broca-da-cana, Sphenophorus levis, pulgões, cochonilhas e pão-de-galinha. O fungo B. bassiana passou a ser usado para o controle de larvas e, principalmente, de adultos de Sphenophorus em canaviais, além da broca-da-cana, broca-gigante, pulgões, cochonilhas, formigas e pão-de-galinha.
Esses fungos e bactérias, hoje, são usados em mais de 5 milhões de hectares de canaviais no País. Eles só chegaram a esse patamar graças ao desenvolvimento das formulações complexas dos bioinsumos, que permitiram a melhor performance desses microrganismos nas condições adversas dos ambientes agrícolas.
Vale a ressalva de que as fábricas on-farm de microrganismos podem até produzir produtos de qualidade, mas nunca terão as formulações modernas. Mas, infelizmente, a maioria dessas fábricas caseiras não produz microrganismos de qualidade, o que compromete o manejo biológico e poderá afetar a saúde pública.
A partir de 2022, a ampliação do uso de nematoides entomopatogênicos (que causam doenças em insetos-praga) deverá mudar o manejo de pragas de solo, incluindo migdolus, cupins e Hyponeuma taltula (broca-peluda). Esses nematoides, que não atacam plantas, penetram os insetos no solo e regurgitam uma bactéria que causa infecção generalizada na praga, matando-a e liquefazendo tecidos internos, que servirão de alimento para esses vermes por 2-3 gerações.
Finalmente, na parte aérea das plantas, a broca-da-cana é controlada com a vespinha Cotesia flavipes desde a década de 1970, no Brasil. Na década de 2010, Cotesia passou a ser substituída pela microvespa Trichogramma galloi, que tem uma grande vantagem sobre a anterior por parasitar os ovos da praga e não as lagartas, impedindo que ela entre no colmo da cana.
Atualmente, tanto Trichogramma quanto Cotesia são liberadas em canaviais com drones. A base biológica para essas tecnologias foi desenvolvida pelo nosso grupo de pesquisa, em Ribeirão Preto-SP. A liberação de Trichogramma com drones, que foi iniciada em 2017, hoje representa 98% dos 3,5 milhões de hectares tratados. A liberação de Cotesia com drones é menor, mas tem garantido voos em quaisquer horários do dia, o que não é possível na liberação manual. Cotesia é utilizada em mais de 4 milhões de hectares em todo o País.
Repito, o manejo biológico em canaviais é um caminho sem volta. Um mundo novo se descortina para os agricultores, que, ávidos, se esforçam para acompanhar as novidades científicas. Todos os profissionais do “agro” precisam de atualizações constantes sobre o uso de bioinsumos, que são tão técnicos quanto os antigos defensivos químicos sintéticos, mas muito superiores em resultados e em sintonia com o campo.