A descarbonização da matriz energética global é um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade neste século. Com mais de 80% da matriz energética global ainda baseada em fontes não renováveis, conforme dados do Energy Institute, e os altos custos associados à mudança de tal matriz, a redução dos efeitos das mudanças climáticas precisa de soluções inovadoras e de custo reduzido para que a substituição dos combustíveis fósseis não implique, em conjunto, uma redução do desenvolvimento econômico e social global.
O setor de aviação possui um dos maiores desafios para descarbonização e o SAF (do inglês Sustainable Aviation Fuel, combustível sustentável de aviação) é a melhor alternativa. Segundo a IEA – Agência Internacional de Energia, o setor de aviação é responsável por 2% das emissões globais de GEE – Gases de Efeito Estufa, e sua descarbonização depende de uma alternativa ao querosene fóssil que (1) tenha alta densidade energética, (2) seja segura para as diversas situações de voo, e (3), preferencialmente, requeira pouco ou nenhum investimento nas aeronaves existentes. Dentre as alternativas existentes, o SAF é o combustível que melhor atende a essas condições, por ter uma formulação química semelhante à do querosene fóssil, podendo ser utilizado, atualmente, numa mistura de até 50% com querosene fóssil, por qualquer aeronave atualmente em serviço.
Assim, a ICAO projeta que o SAF será responsável por 70% da redução das emissões do setor da aviação para chegar à aspiração de emissões net-zero em 2050.
O SAF, produzido a partir da biomassa, é o mais promissor e o Brasil, como maior produtor de grãos e 2º maior produtor de etanol do mundo, tem grande oportunidade de desenvolvimento da produção no país. Dentre as diversas rotas de produção de SAF, as baseadas em óleos vegetais e etanol se destacam por serem as de menor custo e maior capacidade produtiva a médio prazo, uma vez que já possuem cadeia produtiva robusta e bem estabelecida, capacidade de crescimento de produção no médio prazo. Estimativas da ICAO, apontam que, no cenário de ampla adoção do SAF e tecnologia como a atual, 55-65% do SAF produzido no mundo virá de fontes derivadas de biomassa, em que óleos vegetais e etanol se demonstrem como os principais insumos para esses combustíveis.
O Brasil pode se tornar o principal produtor de SAF, aumentando seu protagonismo na descarbonização da economia global e gerando milhares de empregos na economia verde, se oferecer condições atrativas para o investimento em combustíveis avançados de baixo carbono no país e estimular ativamente a adoção de tais combustíveis no mercado local e global.
O Brasil tem condições de produzir SAF com um dos menores custos e maior eficiência de redução das emissões de carbono do mundo. Para isso, o país precisa desenvolver 3 ações estruturantes para o mercado local e global: (1) desoneração dos investimentos e da operação das plantas nos primeiros anos de operação, (2) definição de metas de descarbonização que garantam um volume mínimo de consumo no país, (3) fomento do mercado global de carbono para aviação, em que companhias aéreas brasileiras possam vender seus créditos excedentes para companhias internacionais.
Ação 1: desoneração dos investimentos e da operação das biorrefinarias nos primeiros anos de operação.
Uma biorrefinaria de SAF em escala comercial requer investimentos da ordem de 3 a 5 bilhões de Reais, investidos em 2 a 3 anos de construção, que serão amortizados em 10 a 15 anos de operação para retornar o capital empregado pelos acionistas. São infraestruturas de altíssima intensidade de capital e alta complexidade operacional, que utilizam a vanguarda da tecnologia e que trazem grandes riscos aos investidores. Por isso, países como os Estados Unidos estão oferecendo programas de desoneração fiscal como os do IRA (Inflation Reduction Act), eliminando a obrigação fiscal dos produtores nos primeiros anos, garantindo produtos mais baratos e com menor risco de falência da operação nos seus anos mais sensíveis. A eliminação da cobrança de impostos durante o período de amortização dos investimentos e/ou a criação de zonas francas para combustíveis avançados garantiriam a atratividade do Brasil para os investidores da economia verde frente a países vizinhos e países desenvolvidos, que já oferecem programas semelhantes e estão à frente no anúncio de projetos.
Ação 2: definição de metas de descarbonização que garantam um volume mínimo de consumo no país.
Para que os investimentos em biorrefinarias de SAF seja efetivamente executado no Brasil, a demanda local precisa ser suficientemente grande para haver escala de produção local. O projeto de lei do Combustível do Futuro (PL 4196/2023), atualmente, em discussão no Congresso Nacional, traz avanços para adoção do SAF nos voos domésticos do país, com definição de redução das emissões de carbono de 10% em 2037. Porém, para o Brasil conseguir destravar os investimentos necessários, é necessário haver, ao menos, um consumo esperado de SAF da ordem de 10% do querosene total consumido no país em 2030, em linha com os patamares que a regulação europeia define atualmente.
Ação 3: fomento do mercado global de carbono para aviação, em que companhias aéreas brasileiras possam vender seus créditos excedentes para companhias internacionais.
O SAF brasileiro, sobretudo a partir do etanol, tem valores competitivos de redução das emissões de carbono frente aos combustíveis fósseis. Porém, o trânsito do SAF ou de sua matéria-prima do Brasil para outros países, aumenta consideravelmente o preço do combustível e as emissões relacionadas, contribuindo duplamente para o aumento do custo por emissão evitada.
Como as emissões de carbono são um problema global, e do ponto de vista de impacto ao clima, não existe diferença se a redução das emissões ocorre em uma parte do planeta ou em outra, o mais eficiente para a descarbonização global é a maximização do consumo de SAF no próprio país produtor dos insumos e dos combustíveis. Para isso, é preciso haver um mercado global de créditos sobre o combustível consumido, em que as companhias aéreas com operação no Brasil comercializem os créditos excedentes com companhias aéreas de outras geografias, minimizando o deslocamento do combustível renovável e capturando o diferencial de preços sobre o carbono evitado.
Nesse desenho, (1) garante-se o menor custo por carbono evitado para o setor da aviação global, (2) aumenta-se a produção de SAF no país, aumentando a escala produtiva e os ganhos para a economia nacional, e (3) gera-se uma linha de receita adicional para as companhias aéreas nacionais, aumentando a saúde financeira do setor.
O Brasil tem capacidade de se tornar líder global na produção de combustíveis avançados de baixo carbono, se oferecer condições tão atrativas quanto as oferecidas pelos Estados Unidos e outros países vizinhos. Cabe ao país se organizar para garantir as condições, para que não se torne, uma vez mais, mero fornecedor de matéria-prima de baixo valor agregado.