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Josias Messias

CEO de ProCana Brasil & Pró-Usinas e Conselheiro de Administração do IBGC

OpAA78

Oportunidades na Governança de empresas bioenergéticas
A transição energética compõe um contexto de mudança mais radical do que a maioria de nós pensa. Há evidências de que a humanidade esteja no vórtice de uma transformação mais profunda e abrangente, uma transformação geopolítica, antropológica, demográfica, ética, social e econômica, significativamente ampliada pela democratização digital. Uma mudança que está afetando e deve reformar as relações humanas e, portanto, também todas as relações econômicas, comerciais e de trabalho.
 
Se pelo lado do mercado, a transição energética representa enormes oportunidades de expansão para as empresas bioenergéticas, pelo lado “da porteira pra dentro”, também requer atualizações na governança em atenção a todo o contexto global no qual está inserida. Neste espaço, eu gostaria de dar atenção a tendências  e oportunidades em 4 aspectos das empresas: propósito, produtos, pessoas e processos.

Propósito – Congelar princípios e descongelar estratégias: Observando os booms de expansão que aconteceram nestes meus 35 anos de setor, eu diria que o primeiro cuidado seria não repetir os mesmos erros.

Com um cenário otimista para investimentos e farta oferta de capital, a tentação é relativizar alguns princípios, como limites de alavancagem financeira, cuja consequência prática a história demonstra que pode demorar, mas um dia chega, destruindo décadas de trabalho, culminando com o fechamento de unidades e com empresas em recuperação judicial e falências. 

Mas acredito que as empresas já aprenderam a lição e serão mais prudentes diante das promessas do mercado. Se, por um lado, não se deve flexibilizar princípios, entendo que devemos estar abertos para discutir e atualizar quaisquer outros fatores estratégicos, inclusive o core business. Na minha percepção, diante das oportunidades e ameaças geradas pela transição energética, eu estenderia o entendimento de core business como atividade central, que mais gera valor para o negócio, para as operações que a empresa deve ter competência e, portanto, domínio para garantir a entrega dos resultados.
 
Nesse sentido, algumas operações tradicionais de uma usina de cana podem ser ampliadas ou excluídas como core business. Alguns exemplos vêm de grupo de usinas que incluiu em seu core a comercialização de açúcar na modalidade CIF, visando a capturar ganhos comerciais e logísticos, enquanto outras usinas entenderam que o seu core é apenas o processamento industrial da cana, e não a produção agrícola nem a comercialização dos produtos, que ficam sob a responsabilidade de parceiros estratégicos e cooperativas. O core se restringe à produção de bioeletricidade, açúcar e etanol, e à logística interna da matéria-prima. 
 
Já no caso de etanol de milho, temos o exemplo da Inpasa, que incorpora a logística do etanol ao mercado consumidor como seu core business, como fator fundamental para a competitividade de seu negócio.

Produto – A sustentabilidade como produto: Mais do que produtores de energia e de alimentos, as usinas passam a oferecer a sustentabilidade como produto. Não é apenas o etanol, bioeletricidade, biogás, biometano, biodiesel, SAF, hidrogênio... é a descarbonização que esta energia agrega da sua origem ao destino. 
 
Assim também com o açúcar, a levedura, o DDG, o óleo... Não são apenas os alimentos, mas a segurança alimentar, o desenvolvimento socioambiental que esses alimentos agregam na sua cadeia ao consumidor. 

A estratégia é transformar os crescentes requisitos ESG em diferenciais competitivos, investindo na mensuração e certificação para agregar valor ao negócio. 

Pessoas – Formação e revitalização de Conselhos: Investir na formação de Conselhos Consultivos e de Administração, ou revitalizar os estabelecidos, com diversidade de percepções e competências adequadas às grandes transformações em andamento no ambiente de negócios, é uma forma de capturar as oportunidades geradas pela transição energética e pelas exigências e benefícios legais.

A ideia é superar a composição tradicional, que privilegia conselheiros com competências financeiras e de comercialização, e seguir a tendência das grandes corporações globais, com a inclusão de conselheiros com competências diversas, tais como em transformação digital e cibersegurança, e em gestão de pessoas, considerando que esse é o maior ativo da empresa e principal origem, meio e fim da sustentabilidade. 

O objetivo é ganhar abertura para descongelar a visão estratégica (moon shot) e somar competências para congelar essa estratégia (roof shot), permeando todas as camadas da organização.

Processo – Padrões dinâmicos: Estratégias dinâmicas bem definidas vão requerer cada vez mais agilidade e flexibilidade assertivas na gestão e na operação das empresas. Não será mais possível trabalhar com lógicas e parâmetros estáticos, por mais assertivos que sejam.

E em uma atividade tão complexa como a produção bioenergética, somente é possível adotar padrões dinâmicos assertivos com a ajuda de tecnologias digitais, especialmente das tecnologias facilitadoras, as quais permitem desdobrar as estratégias em ações táticas e atuações em tempo real. 

Considerando que o objetivo estratégico de toda usina é reduzir custos e aumentar a liquidez, o papel das empresas na transformação digital deve focar em customizar aplicações existentes para suas demandas e não desenvolver sistemas, missão que requer expertise ampla, altos investimentos e riscos.

Nesse sentido, a adoção de tecnologias facilitadoras deve crescer rapidamente, considerando que elas têm a função de embarcar todo o conhecimento conceitual, técnico e gerencial da empresa em lógicas digitais, quase sempre pelo uso de IA específicas. 

Uber e iFood são exemplos genéricos de tecnologias facilitadoras, as quais embarcam todas as lógicas para atender cada usuário da atividade, seja ele o consumidor ou fornecedor. Já no ambiente corporativo, são tecnologias que englobam automatizações de qualquer lógica analógica ou workflows de processos, sejam financeiros, contábeis, industriais e agrícolas, considerando que a maior parte das atividades são regidas por padrões universais, como a termodinâmica; obrigatórios, como os fiscais; ou específicos da empresa, como os agronômicos.
 
O papel é automatizar as tarefas repetitivas e facilitar o trabalho de todos os envolvidos, de acordo com a função de cada um. A gestão ganha agilidade e flexibilidade para ajustar as lógicas de acordo com as metas da empresa e as condições de operação. A liderança e supervisão recebem insights de melhorias e alertas de ajustes de rotas ou de anomalias a serem tratadas e quais parâmetros devem ser ajustados para alcançar as metas. A operação é ajustada em tempo real através de ajustes automáticos pelo sistema, ou através de recomendações de pontos ótimos aos colaboradores.

Um papel importante das tecnologias facilitadoras nas empresas é a humanização tecnológica, reforçando características humanas como inspiração, criatividade e resolução de novos problemas. Afinal a inteligência criativa está nas pessoas, são elas que definem as lógicas.

Com a ajuda de tecnologias facilitadoras, os colaboradores se tornam mais produtivos, assertivos, cooperativos, fazendo mais, melhor, com mais tranquilidade e segurança. Usar uma ferramenta inteligente é uma recompensa para os colaboradores e maior flexibilidade para a empresa reter talentos.

E essas virtudes internas serão cada vez mais valiosas em tempos de revolução humana e transição energética.