Certa vez, numa viagem longa, no meio da conversa, meu amigo disse: “...deveriam inventar uma máquina que pegasse direto a energia do sol”. “Mas já existem duas”, respondi: as células fotovoltaicas e as plantas, através da fotossíntese. A vantagem das plantas é que dão bastante trabalho.
Hoje, reconhecemos o canavial como um painel solar renovável, que usa a energia solar para capturar hidrogênio e estabilizá-lo com carbono. A partir daí, nós podemos usar esse hidrogênio e devolver o carbono para ser novamente absorvido.
Assim, de um novo ponto de vista, nesse ciclo, o carbono é o carregador e a carga é de hidrogênio, podendo ser visto como um ciclo bioenergético do hidrogênio, com um balanço positivo para o carbono, porque, quanto maior o uso, maior a quantidade de carbono que estará no solo e na biomassa.
A agricultura com boas práticas tem balanço de carbono positivo, pois aumenta a quantidade de biomassa da cultura e de material orgânico no solo, com ganho de fertilidade. Vivenciamos muitos exemplos positivos. Para refletir sobre a sustentabilidade do negócio da cana-de-açúcar, poderíamos citar diversos indicadores, mas, no nosso assunto, vamos tratar da produtividade agrícola, pois, quanto maior a produtividade, menor será a demanda por área. Portanto, o principal indicador de sustentabilidade de uma empresa agrícola deve ser a sua produtividade, expressa em toneladas de produto por hectare ocupado.
As áreas delimitadas para agricultura devem ser utilizadas com práticas para maximizar a produção, enquanto as áreas delimitadas para funções ambientais devem ser protegidas e manejadas com finalidade de condicionamento do clima, biodiversidade, proteção das águas, produção de algumas espécies e bem-estar. Infelizmente, muitas de nossas terras são abandonadas, nem agrícola, nem pastagem, nem nativas. Para a produção de bioenergia, nas regiões onde as condições de solo e clima são favoráveis, a cana-de-açúcar apresenta vantagens botânicas, naturais, especialmente devido à sua alta eficiência fotossintética.
Tem um sistema de produção com tecnologias de gestão, de equipamentos e de insumos bastante desenvolvidos. E com percepções de grande potencial de melhorias, que motivam investimentos em inovações e criação de novas oportunidades. Atualmente, a baixa produtividade média da cana no Brasil tem sido bastante questionada. E, frequentemente, essa queda tem sido atribuída à mecanização do plantio e da colheita.
Na minha opinião, a causa dessa baixa produtividade não é a mecanização. Tive oportunidade de trabalhar em fazendas e empresas nos extremos de produtividades baixas ou altas e de mecanização. Algumas, 100% mecanizadas e com produtividades bem acima de 100 t/ha e longevidades perto de 10 cortes.
Essa produtividade baixa e estagnada é uma média dentro de um universo com grande amplitude de variação. E, do meu ponto de vista, essa amplitude não parece ser diretamente proporcional à mecanização, ou à inovação, nem à disponibilidade de recursos, mas sim relacionada à gestão, à eficácia das escolhas, à maturidade das organizações.
As tecnologias de gestão e de processos disponíveis atualmente, acumuladas de várias décadas até as últimas inovações, resultam em um potencial de produção e de garantia da produção que pode praticamente duplicar a produção de cana. Assim, podemos fazer as seguintes considerações. A área cultivada atualmente, com poucas exceções, não tem tendência de expansão em curto prazo, pois, além de outras comodities estarem muito competitivas, há o entendimento de que, antes, é preciso melhorar a produtividade.
A sistematização, que pode ser chamada de preparo do terreno, é uma operação que vem passando por grande evolução conceitual e operacional nos últimos anos. Antes, era praticamente sinônimo de conservação de solo, embora muitas vezes ineficaz; atualmente, é caracterizada pela conciliação da novos conceitos de conservação de solo e água, da construção de perfil de solo e de controle de tráfego, com um novo desenho do canavial ? pré-requisito para a produtividade e a longevidade num sistema mecanizado.
Essas mudanças do terreno, que já duram duas décadas, inviabilizaram a prática do plantio direto. Acredito que, após a estabilização do desenho do canavial, o plantio direto precisa ser relembrado. Por sua vez, a operação do preparo de solo não apresenta relevantes mudanças de conceitos ou operações nos últimos anos. Técnicas, insumos e equipamentos para a construção de um perfil de solo adequado para a produção desejada existem, e bastante amadurecidas.
A operação de plantio apresenta, hoje, diversas opções de semimanual e de modelos de mecanização, bem como as técnicas de mudas, sementes, MEIOSI, replantio etc. Todos com condições de resultar em canaviais produtivos e longevos, dependendo mais da gestão das tecnologias do que do modelo escolhido. Na escolha das variedades de cana, continuo considerando que o agricultor deve ser arrojado para experimentar e conservador para expandir. Que deve ser moderado na multiplicação, porque multiplicar é perigosamente rápido, enquanto conhecer é que demanda alguns anos e métodos.
Em fertilizantes e defensivos, temos, hoje, oferta de solução para praticamente todos os casos, sendo frequente a ocorrência de erros por excessos ou falta de critério ou “conforto técnico”, no mau sentido. A colheita mecanizada sem queima, que neste ano completa 35 anos de prática, criou um sistema de produção aceitável pelo mercado e continua a criar oportunidades de negócios.
A cana-de-açúcar tem bastante flexibilidade de épocas de plantio e de colheita. Tem boa tolerância às variações de tempo, como veranicos, geada etc., pois, tendo crescimento durante todo o ano, as perdas de um período podem ser compensadas por ganhos em outras. Para a indústria, a colheita da cana sem queima significa a possibilidade de moagem de cana limpa e fresca, com forte contribuição para ganhos de rendimento industrial, e todo o potencial de uso da palha. E os sistemas de logística, cada vez mais estabilizando o processo.
Para a gestão dos processos, vejo que, em agricultura, o foco centrado no resultado pode levar ao insucesso, pois o foco deve ser no processo. O agricultor, por natureza, aplica capricho em cada operação porque “acredita” que, assim, o resultado virá na colheita. Ou seja, nós temos métodos para estabelecimentos das metas e gestão dos processos para assegurar o resultado. Assim, com as suas características naturais e disposição de tecnologias de gestão e de processos, a cana-de-açúcar tem elevada previsibilidade de produção, que dá confiabilidade para os investidores e empreendedores em todos os pontos da cadeia.