O Brasil tem-se destacado globalmente na produção e uso de biocombustíveis, particularmente do etanol, como parte de seus esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover a sustentabilidade energética. Nesse contexto, o etanol tem-se destacado como uma fonte de energia renovável promissora, com o potencial de substituir, pelo menos parcialmente, os combustíveis derivados do petróleo. Enquanto o etanol de cana-de-açúcar tem sido o principal protagonista dessa indústria, o surgimento do etanol de milho no país representa uma oportunidade significativa para complementar essa matriz energética, garantindo a consolidação do combustível renovável não apenas no mercado automotivo, mas também na aviação e no setor marítimo.
No entanto, é essencial reconhecer a complementaridade entre essas duas fontes para consolidar ainda mais o mercado de combustíveis renováveis, especialmente para ampliação dos mercados atuais e abertura de novos mercados, como nos setores de aviação e marítimo.
O etanol de milho passa a ser um aliado crucial ao etanol de cana para consolidação do mercado atual e na transição para uma economia de baixo carbono, fornecendo maior segurança de suprimento para descarbonizar os setores de aviação e marítimo.
O contexto atual do mercado de combustíveis renováveis:
O setor de transporte é responsável por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa. Diante disso, reduzir a pegada de carbono dessas indústrias é uma prioridade urgente. O etanol tem sido reconhecido como uma alternativa viável, pois sua queima produz menos emissões de gases poluentes em comparação com os combustíveis fósseis. O Brasil, em particular, é um dos líderes na produção de etanol, principalmente a partir da cana-de-açúcar, e tem desempenhado um papel crucial na promoção de combustíveis renováveis.
O Brasil tem uma longa história na produção e uso de biocombustíveis, com o etanol desempenhando um papel central nesse cenário. A vasta extensão de terras agricultáveis e o clima favorável proporcionaram ao país condições ideais para o cultivo de cana-de-açúcar e de milho. Recentemente, o etanol de milho começou a ganhar espaço no mercado brasileiro de biocombustíveis, aproveitando a infraestrutura existente e as oportunidades de diversificação.
No mercado automotivo, a diversificação da oferta de biocombustíveis é essencial para garantir a disponibilidade do produto em qualquer época do ano, em diferentes regiões do país. O etanol de milho pode desempenhar um papel complementar ao etanol de cana-de-açúcar, fornecendo uma fonte adicional de combustível renovável para veículos flex fuel, que são amplamente utilizados no Brasil. As características do etanol de milho e de cana são as mesmas e obedecem aos padrões de especificação regulamentados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Além disso, a disponibilidade de etanol de milho pode ajudar a reduzir a dependência do país em relação aos combustíveis fósseis, contribuindo para a segurança energética e a resiliência do setor de transporte.
Esta indústria vem crescendo consistentemente nos últimos anos. Segundo a União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), até 2030 a produção de etanol de milho deve atingir 10 bilhões de litros produzidos no Brasil e representar 20% do mercado brasileiro. Nesta conjuntura, o milho se configura como mais uma matéria-prima para a produção de etanol, diversificando o suprimento e proporcionando mais garantia de oferta do combustível ao consumidor, mitigando possíveis temores, como já visto no passado, de falta de abastecimento.
Isso também é um fator que impulsiona o investimento em infraestrutura logística, como, por exemplo: construção de dutos, mais ferrovias e duplicação das rodovias, além de terminais e armazéns, sendo um grande propulsor para a economia nacional. Do lado da demanda, o mercado interno de combustíveis já chegou a consumir mais de 35 bilhões de litros de etanol em 2019. Em 2023, o país consumiu apenas 31 bilhões de litros, com o hidratado representando apenas 19,6% da matriz de consumo de ciclo Otto.
Em 2019, esse percentual ficou 10 pontos acima, em 29,3%. No mercado nacional, a grande frota flex fuel, que hoje representa cerca de 85% dos veículos leves no Brasil, garante potencial de crescimento praticamente ilimitado para os próximos anos. Ou seja, o mercado de etanol ainda pode expandir muito no mercado automotivo do Brasil.
No âmbito internacional, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), mais de 70 países já possuem mandatos de algum nível de mistura na gasolina, e discussões sobre aumentos na mistura têm-se tornado cada vez mais frequentes. Além do segmento automobilístico, as ambiciosas metas ambientais, especialmente no setor da aviação e marítimo, devem garantir um crescimento estável na demanda por biocombustíveis nas próximas décadas. Em ambos os casos, quanto maior a diversificação de matérias-primas e origens, maior a resiliência a fatores climáticos, econômicos e mais estável o suprimento das matérias-primas.
O papel do etanol de milho no mercado de combustíveis renováveis:
Enquanto o etanol de cana-de-açúcar tem sido amplamente adotado em várias partes do mundo, o etanol de milho também possui vantagens distintas que o tornam uma opção atraente. A produção de etanol de milho é bem estabelecida em países como os Estados Unidos, onde o milho é uma cultura agrícola predominante. Além disso, o processo de produção de etanol de milho é mais simples e requer menos investimento inicial em comparação com o de cana-de-açúcar.
O Brasil é o terceiro maior produtor de milho do mundo e produziu 129 milhões de toneladas na última safra, sendo que 12% desta produção foi utilizada para produção de etanol. A conversão de uma pequena parte desta produção em etanol oferece uma oportunidade adicional de aproveitar os excedentes de produção e diversificar a matriz energética do país.
As características ambientais e de clima do Brasil permitiram que a produção de etanol de milho brasileira tivesse duas importantes características que diferem esta indústria da de outros países. No Brasil, o milho utilizado para produção de etanol é o chamado milho de segunda safra, ou seja, seu plantio e colheita são realizados logo após a colheita da soja, dentro do mesmo ano-safra.
Esse processo permite que o milho aproveite de todos os nutrientes do solo deixados pelo plantio de soja, evitando assim a adição de insumos agrícolas que emitam CO2 na atmosfera. A segunda característica é o fato de a planta de etanol de milho brasileira utilizar biomassa renovável para geração de vapor e energia necessária para funcionamento da sua operação. Essas duas características fazem do etanol de milho brasileiro um biocombustível com baixa emissão de carbono.
Complementaridade entre etanol de milho e etanol de cana-de-açúcar:
A complementaridade entre o etanol de milho e o de cana-de-açúcar reside em suas características distintas. Enquanto a indústria do etanol de cana-de-açúcar tem a flexibilidade de produzir açúcar a partir do caldo da cana, ao invés do etanol, o etanol de milho tem sua versatilidade em termos de clima e solo. Isso significa que, em regiões onde o cultivo de cana-de-açúcar não é viável, o etanol de milho pode preencher essa lacuna e vice-versa. Além disso, no Brasil existem regiões inclusive em que ambas as culturas são viáveis, e, nesses casos, a complementariedade está também nas chamadas indústrias flex, que produzem etanol tanto a partir da cana-de-açúcar, quanto do milho. Esses posicionamentos ampliam as opções de produção de biocombustíveis em todo o território nacional.
Potencial nos setores de aviação e marítimo:
A descarbonização dos setores de aviação e marítimo é um desafio global devido à alta demanda por combustíveis de alta densidade energética e à disponibilidade limitada de alternativas. A tecnologia "Alcohol to Jet" tem sido reconhecida como uma das opções mais viáveis para descarbonizar a aviação, com o etanol sendo transformado em biocombustível de aviação. Isso atende a um compromisso firmado pela ICAO (International Civil Aviation
Organization; em português, Organização da Aviação Civil Internacional), que determina a mistura obrigatória de combustível sustentável ao setor de aviação a partir de 2027, abrindo grandes oportunidades ao etanol brasileiro.
Os Estados Unidos, por exemplo, já estabeleceram o uso de 5 bilhões de litros de SAF até 2030. Para o Japão, a meta é alcançar 10% de uso de SAF até 2030.
Esses são sinais de alta demanda para um futuro próximo e com o qual o Brasil vislumbra uma grande oportunidade, por ser um dos principais produtores globais de etanol, riquíssimo nas suas duas principais matérias-primas: a cana-de-açúcar e o milho.
O etanol de milho e de cana-de-açúcar podem desempenhar papéis complementares nesses setores, fornecendo uma alternativa renovável aos combustíveis fósseis. Por exemplo, o etanol pode ser mais facilmente integrado à infraestrutura existente de aviação e marítima devido à sua produção, tecnologia e distribuição já estabelecidas. A utilização de etanol na aviação e no setor marítimo pode reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo assim para os esforços de combate às mudanças climáticas e promovendo a transição para uma economia de baixo carbono.
Conclusão:
O surgimento do etanol de milho no Brasil representa uma oportunidade única para diversificar e fortalecer ainda mais o setor de biocombustíveis do país. Sua complementaridade ao etanol de cana-de-açúcar oferece vantagens significativas em termos de segurança de suprimento, resiliência e sustentabilidade ambiental. Além disso, o etanol de milho tem o potencial de desempenhar um papel crucial na descarbonização dos setores de aviação e marítimo, contribuindo assim para os esforços globais de combate às mudanças climáticas.
A consolidação do mercado de combustíveis renováveis depende da cooperação e complementaridade entre diferentes fontes de energia, incluindo o etanol de milho e o de cana-de-açúcar. O setor de biocombustíveis precisa atuar em conjunto em prol do desenvolvimento desses mercados e deixar a relação de concorrência de lado para estas agendas, que são comuns, de interesse mútuo e com potencial até maior que o mercado existente. Nos setores de aviação e marítimo, onde as demandas por combustíveis alternativos são mais prementes, essa complementaridade pode desempenhar um papel crucial na redução das emissões de carbono e na promoção de um futuro mais sustentável. No entanto, é essencial abordar os desafios e aproveitar as oportunidades de forma colaborativa para alcançar esse objetivo com sucesso.