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Josias Messias

CEO da ProCana Brasil & Pró-Usinas

OpAA73

"Predict and control" ou "sense and respond"?
Num cenário de transformações e incertezas crescentes, o entendimento e a correta aplicação desses conceitos podem contribuir significativamente para a perenização das empresas do sistema bioenergético. 
 
A conversa estava boa no almoço com amigos donos e gestores de uma usina no interior Paulista, quando o mais novo comentou sobre o quão tinha sido assertiva a decisão, alguns anos atrás, de investir na instalação de um concentrador de vinhaça. Na época, a decisão foi tomada com base no propósito e valores da empresa, ainda que o retorno econômico não pudesse ser claramente mensurado.
 
Passados apenas dois anos, a utilização da vinhaça concentrada e enriquecida já havia proporcionado uma economia de seis mil toneladas de fertilizantes, apenas na safra em andamento.  
 
O assunto me levou a identificar alguns conceitos que eu havia estudado num artigo do Prof. Alexandre Di Miceli, durante o curso para formação de Conselheiro de Administração do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, e sobre os quais pretendo fazer algumas provocações neste artigo.

Essa decisão assertiva sobre a concentração da vinhaça foi tomada com base no conceito Predict and Control ou em Sense and Respond?  Analisando os conceitos. 

O que é Predict and Control? 
Predict and Control é o modelo mental padrão que as grandes organizações vêm adotando nos últimos cem anos, o qual se baseia em olhar para frente, prever resultados e então construir sistemas baseados em controle para tornar essas previsões uma realidade.

Técnicas de Predict and Control estão presentes na maioria dos cenários de agroindústrias, envolvendo planejamento, previsão ou decisão de futuros, sejam orçamento; planejamento estratégico; tomada de decisão centralizada; incentivo ao comportamento; gerenciamento de projetos complicados; gerenciamento de riscos.
 
Existem duas suposições fundamentais inerentes à Predict and Control:
1. Podemos prever com precisão os resultados; 
2. Podemos e devemos usar mecanismos baseados em controle para alcançar os resultados desejados (enquanto suportamos ou ignoramos as consequências negativas desses mecanismos).

Em um século tão volátil, acelerado e imprevisível, também chamado de mundo VUCA, tais suposições enfrentam grandes dificuldades para se manterem de pé, colocando em xeque as pretensões de se tentar prever e controlar, na prática, o futuro. 

O que é Sense and Respond? 
Sense and Respond é o modelo alternativo ao Predict and Control que vinha dominando o status quo. Essencialmente, a ideia é que podemos absorver uma série de dados (qualitativos e quantitativos) e informações e reagir de acordo. 
 
Esse conceito se baseia na aceitação de que não podemos planejar com muita antecedência ou esperar controlar o futuro; então, o melhor que podemos fazer é traçar alguns cenários, guiar o caminho a seguir tentando algo, observando a reação e, então, tentando outra opção. 

Para usar um exemplo comum, jogamos xadrez com Sense and Respond; não poderíamos jogar com Predict and Control. Sense and Respond não é novo, é como as pessoas se auto-organizam há milênios em suas vidas pessoais, familiares e comunitárias. 
 
É, portanto, um conceito que coloca mais humanidade na estratégia e gestão, mas incorporando a disciplina de modelos mentais sistêmicos, já que foi originalmente organizado baseado em princípios Lean. Sense and Respond soma o feeling humano, muitas vezes intangível, com técnicas e metodologias tangíveis, como o URSLIMM, onde:  
U (understand) – entenda o valor do negócio;
R (remove)  – remova o desnecessário;
S (standardize)  – padronize;
L (learn)  – aprenda fazendo;
I (involve)  – envolva todos;
M (measure)  – meça o que importa, e
M (manage)  –  gerencie o desempenho visualmente.
 
Aplicação prática em empresas bioenergéticas:
As usinas e destilarias bioenergéticas são empresas de grande porte, demandantes extensivas de capital, de mão de obra e de tecnologia, cuja parte significativa das operações são sujeitas a princípios de engenharia e outra parte significativa sujeita a fatores externos ao seu próprio controle, como clima e mercado. 

Nesse sentido, é possível entender a aplicação dos dois conceitos na condução de empresas bioenergéticas. Mas, como aprendi no IBGC, às vezes mais importante do que questionar o que fazer é saber o que não fazer, aprendendo com os equívocos do setor:

1. Adotar o Sense and Respond como prática irrestrita, considerando que os empreendedores não conseguem mesmo deter o controle sobre os negócios, cujos resultados sempre estiveram nas mãos do governo, de Deus (clima) e do mercado (grandes tradings e distribuidoras). A estratégia é contar e se aproveitar de fatores externos para sustentar os negócios, principalmente políticos. Essa cultura deturbada teve uma certa abrangência no setor, principalmente por conta do paternalismo estatal desde o IAA e o Proálcool, e foi responsável pelo fechamento de centenas de unidades. Por outro lado, o sucesso das empresas remanescentes esteve muito ancorado na capacidade de Sense and Respond de um líder empreendedor ou de um pequeno grupo na condução, os quais trouxeram o segmento ao patamar de excelência dos nossos dias.

2. Adotar o conceito Predict and Control como regra em todas as atividades, como se técnicas e metodologias de gestão fossem capazes de controlar todas as variáveis do negócio. Esse equívoco ficou evidente na entrada de grupos estrangeiros no boom do início deste século, os quais somente começaram a ter êxito quando se renderam à realidade de que nossa cana e nossa gente formam uma cultura que merece ser compreendida e respeitada em todos os escalões e vertentes do negócio.
 
Ainda há resquícios fortes desse equívoco em empresas do setor, nas quais o foco ainda permanece muito no meio e não nos fins, com uma infinidade de indicadores medidos, mas sem efetiva atuação com ganhos na operação. Muita gente envolvida na “fabricação de números”, esquecendo que o que realmente toca o negócio são indicadores tangíveis, como caixa, cana, açúcar e etanol… Como faz falta o Sense and Respond de dono!
 
3. Não adotar nenhum dos dois conceitos como prática, perdendo oportunidades estratégicas e operacionais por falta de maturidade na gestão.

 Propositura: 
Sabendo, então, o que não fazer, nossa provocação vem na direção de extrair o melhor dos dois conceitos, considerando que cada um pode proporcionar resultados mais consistentes em determinados componentes e vertentes da empresa. Como uma atividade das mais complexas do mundo, não se pode abrir mão de nenhum desses conceitos. A ideia é revisitar o Sense and Respond nas áreas que carecem desse tipo de percepção e atuação, notadamente na formulação e condução da estratégia, construção e vivência da cultura e da liderança da organização, e o Predict and Control nos componentes gerenciáveis a partir da engenharia, como operações agrícolas, industriais e de logística. Entende-se como engenharia fatores cujas principais variáveis são passíveis de controle a partir da aplicação de métodos científicos ou empíricos conhecido. Nesse sentido, muitas vertentes podem ser alçadas, contudo, devido ao espaço concedido para a realização deste artigo, nossa propositura envolve três iniciais:

1. Fluxo de caixa estendido: 
Sense and Respond requer uma certa folga para manobras e ajustes de rumo, portanto a liquidez e a bancabilidade da empresa, que já são fatores estratégicos, devem ganhar elasticidade.
 
2. Managing by wire: 
A junção dos dois conceitos na cultura da empresa, cria oportunidades de empoderamento das pessoas através da transformação digital, ou seja, deixar nas mãos das pessoas o que os humanos fazem melhor, que é perceber os rumos e adotar estratégias, traçar táticas e criar lógicas operacionais, utilizando todo o poderio do conceito Predict and Control para desdobrar as ações para a operação, através do uso intensivo de tecnologias, como Inteligência Artificial para automatização e robotização de tarefas. 
 
3. Formação e revitalização de conselhos consultivos e de administração: 
Se a prosperidade da maioria dos grupos bioenergéticos deveu-se às habilidades de Sense and Respond de seus fundadores, a realidade é que muitos deles estão deixando a condução dos negócios e quase sempre não há sucessores com as mesmas habilidades e competências. 
 
Investir na formação de conselhos consultivos e de administração, ou revitalizar os estabelecidos com diversidade de percepções e competências adequadas às grandes transformações em andamento no ambiente de negócios, é uma forma de manter atualizada a capacidade de Sense and Respond da organização. 

Conclusão:
Para o negócio se manter saudável e sustentável num mundo em constante e acelerada transformação, será necessária uma cultura baseada na reinvenção, resiliência e regeneração. E isto só será alcançado com o entendimento e aplicação balanceada dos conceitos Predict and Control e Sense and Respond.